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Me preocupa menos o suporte em que leremos livros
mas o fato de que hoje nossos adolescentes escrevem
num português 'tatibitate' assustador e se orgulham
de escrever errado" |
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E-paper
Mensagem original
enviada em: 9 dezembro 2004
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Meus dois cents sobre essa discu(r)ssão.
Em 93, quando entrei na faculdade Internet, existia no meio
acadêmico e a www (significando navegação
gráfica X as BBS) era uma novidade. Discutíamos
se o computador iria acabar com os empregos nos estúdios
das agências de publicidade. Os professores achavam
que sim; nós víamos o computador como ferramenta
de trabalho. Bom, o computador revolucionou o estúdio
mesmo (o da agência que eu trabalhava dançou
assim como todo mundo que não sabia mexer com micro).
Eu, que até a faculdade fazia lay-out com
letraset e ilustração na mão, percebi
logo que se não aprendesse a mexer nos 486 da faculdade,
não teria vez no mercado de trabalho.
Em 2000 fiz minha tese de conclusão de curso sobre
a transição dos meios de produção
das histórias em quadrinhos da mídia impressa
para a digital (web e CD como suportes). Meu orientador foi
o Moacy Cirne, professor especializado em quadrinhos mas sem
nenhum conhecimento na época sobre informática.
E na época tivemos uma discussão muito interessante
porque ele achava que o computador jamais substituiria o quadrinho
feito a mão com lápis e nankin e eu afirmava
na minha tese que estávamos caminhando para um futuro
próximo em que a última etapa no processo de
produção da HQ, o desenho seria feito direto
no computador com uso de tablet e softs
gráficos. Respeitei a opinião dele, mas como
o Scott Mccloud colocou no livro Reinventando os Quadrinhos,
não é a geração do Cirne nem a
minha que vão fazer HQs direto no micro: é a
do meu filho! Somos nós que nos agarramos ao que já
conhecemos. Nós tentamos reproduzir no computador aquilo
que já conhecemos (revistas eletrônicas, jornais
eletrônicos, livros eletrônicos, uma tendência
a buscar uma estética com um quê de cyberpunk).
Nossos filhos vão reinventar tudo porque o computador
vai ser o parâmetro para o computador, e melhor: o computador
deles vai ser multimídia.
E os mais jovens aqui da lista são mais abertos a
ler um livro no Palm do que aqueles que cresceram com livros
e TV. Eu adoro livros digitais. Acho cansativo (principalmente
para a minha coluna) ler no monitor de um desktop, mas ler
em um notebook é confortável sim e
quando comprei um Palm ano passado descobri que é muito
mais confortável ler no Palm que no micro. Sendo que
você tem vários livros em formato de bolso no
mesmo espaço, com direito a luzinha pra ler na van
de noite, e scroll automatico para os extremamente
preguiçosos, assim como possibilidade de aumentar o
tamanho da letra.
Assim como as capas de CD X as dos vinis, eu acho que o Palm
não substitui livros que não sejam texto puro.
Dar scroll numa imagem na tela do Palm é uma
das coisas mais irritantes que eu conheço. Apreciar
belas gravuras e obras de arte na web também.
Livros gráficos e HQs impressas continuam imbatíveis
no quesito qualidade estética. Taí um ponto
que talvez fosse interessante com o advento do e-paper:
a possibilidade de você ter (com qualidade decente,
o que demanda tempo e aperfeiçoamento tecnológico)
uma alternativa razoável para as publicações
ilustradas.
Eu acredito na convergência de gadgets tecnológicos
para aparelhinhos multi-funcionais. Sempre achei que um dia
teríamos algo portátil que fosse computador
de bolso, discman, videophone, câmera,
agenda, álbum de fotos e (esta ainda estou na torcida
mas parece que já há soluções
tecnológicas para isso) cartão de crédito/débito
em conta. Muito provavelmente esses aparelhinhos ainda terão
senhas biométricas. No Japão esta convergência
está acontecendo numa velocidade bem maior que no Brasil
e na África é praticamente inexistente.
Fazendo o papel de advogada do diabo, quando mudei de apartamento
em setembro notei que guardava uma variedade de papéis
estocados (canson, couché etc.) e referências
fotográficas recortadas e cuidadosamente arquivadas
em pastas que o advento do computador tornou simplesmente
inúteis. O Painter simula meus papéis queridos
à perfeição. E uma câmera digital
ou uma pesquisa na web me permitem conseguir com pouco esforço
aquele ângulo que faltava pra terminar aquela ilustração...
Não sou eu que estou me transformando. São os
métodos de produção das coisas ao meu
redor. E o que para mim parece esquisito e anti-natural pro
meu filho e um dia meu neto vão fazer parte do cotidiano.
Um dia talvez meu filho reclame saudosista do cheirinho de
Palm da mesma forma que eu sinto falta do cheiro de um livro.
E nessa discu(r)ssão toda me preocupa menos o suporte
em que leremos livros mas o fato de que hoje nossos adolescentes
escrevem num português "tatibitate" assustador
e se orgulham de escrever errado e que embora tenhamos um
acesso a um fluxo de troca de informações muito
grande, lê-se quantitativamente muito mais e qualitativamente
muito menos. Lê-se revistas, sites web, informação
fragmentada mas livros mesmo, literatura, algo mais aprofundado,
cadê o incentivo?
Vou fazer 29 anos quarta que vem, meu filho tem 6 anos e
me preocupa que tipo de adolescente ele vai ser. Talvez um
pária cultural se eu passar meu amor aos livros para
ele?
Enfim, espero ter contribuído em algo para o debate.
Lanika |