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Precisamos de um planeta mais limpo. Mas por
hora, não é um mundo sem designers de
notícias, gente que pensa em como melhor trabalhar
uma interface para que o que lá esteja dito,
melhor dito, visto, pensado." |
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Design
editorial
Mensagem original enviada em: 20
dezembro 2005
Assunto original: A volta dos futurólogos
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Interessante e cativante este assunto. Eu trabalho dentro
desta indústria, e é claro que faz parte da
minha rotina o exercício constante de ler, discutir,
acompanhar temores, soluções e adaptações
deste ramo. Mas não sou bobo de arriscar aqui um palpite.
Há muitas surpresas, alguns já caíram
do cavalo exercitando futurologia nesta área.
Um deles foi Roger Fidler, um respeitável jornalista,
designer, professor, executivo por 21 anos da Knight-Ridder,
um dos grupos que controlam a comunicação nos
EUA. Em 1981 ele comandou um time, dentro da empresa, responsável
por criar um substituto ao jornal em papel. Seria um periférico
chamado Tablet, leve, barato, com um monitor flat, alimentado
com cartões flash vendidos no mercado com a atualização
das notícias. Nada muito diferente de um atual notebook
ou Palm. O que deu errado? Simplesmente eles não previram
o que aconteceria com a internet. O sonho dos donos da empresa
era o de ter um produto proprietário, todos pagariam
royalties pela invenção. Mas, alguém
percebeu a tempo que a banda não ia tocar música
só para eles.
Mas não quero fugir da reflexão, e menos ainda
de dar alguns palpites. Primeiro: claro, esta indústria
ficou velha. Alvin Toffler, notório futurólogo,
dizia que a indústria de jornais seria o último
negócio com chaminé. Se você entender
como ele é feito hoje, percebe isso com mais clareza.
O jornal é digital até a gráfica, onde
é impresso em um ritmo alucinante, em rotativas automatizadas
e robotizadas. As pilhas de jornais saem de esteiras e entram
em gôndolas que alimentam caminhões. Daí,
até chegar na casa de um leitor, o processo é
analógico, no braço, antigo, exige um esforço
enorme. Em árvores, combustível e dinheiro.
Mas temos que dar um crédito à resistência
desta indústria. Na verdade, olhando a história,
ela ainda é jovem. Os jornais, ao menos do jeito que
hoje os conhecemos, nasceram com a Linotipo, no final do século
XIX. Desde então, em pouco mais de um século,
cantaram sua morte em mais de uma ocasião. Quando inventaram
o rádio, futurólogos garantiram que a nova mídia,
ao permitir divulgar notícias de forma instantânea,
grátis, bastava investir em um aparelho, acabaria com
os jornais. Inclusive, por garantir a rápida inclusão
de amplas camadas populares, que não dominavam o código
dos letrados.
Mas não aconteceu. Os jornais cresceram, mais ainda
se modernizaram depois do rádio. E o mesmo discurso
foi dito com a TV, mas este demorou um tanto para surgir.
O jornalismo da TV, em seus primórdios, era uma mera
cópia do rádio, apenas com a imagem quase estática
de um locutor. Ela parecia destinada às variedades,
não ao jornalismo. Mas na década de 70 as coisas
começaram a mudar. Câmeras portáteis,
agilidade nas coberturas ao vivo, uma nova linguagem passou
a dominar o jornalismo e o público gostou, dando audiências
inimagináveis antes. Os jornais se preocuparam. E futurólogos
voltaram a fazer suas previsões. De imediato, todo
o design dos jornais nos anos 80 teve uma enorme influência
da linguagem jornalística da TV. Textos curtos (justificavam
dizendo que os leitores não tinham mais tempo de ler),
muita cor, gráficos. Um exemplo disso: o USA Today,
jornal americano criado nesta época. Ele parecia ser
a versão impressa da TV.
Venceram a guerra? Não existiu a batalha, de fato.
MacLuhan já havia dado as pistas nos anos 70. TV é
um meio quente, te domina, você chora com o drama, se
envolve, mas ela não consegue aprofundar a informação
com a mesma facilidade que um jornal, com seus boxes explicativos,
infográficos, seu volume de texto. Esta cópia
deixou de ser um mito, mas levou mais de uma década
para a ficha cair na cabeça de empresários e
de futurólogos. Para alguns poucos, ainda nem caiu.
Hoje, voltaram os temores de perda de mercado com a internet.
Faz sentido. Ela vem alterando radicalmente o modelo de vários
negócios. Se o rádio tinha som, onde o jornal
não podia concorrer, a TV tinha ainda o movimento,
a internet, além disso tudo, traz basicamente o mesmo
conceito de página. Ela é muito tipografia,
texto, colunas, títulos, pontos de entrada, fluxo de
leitura em hierarquia no material, tal como revista, jornal.
Mário Garcia, um dos mais conhecidos desenhadores de
jornais em todo o mundo, discorda, diz que a internet é
mais a linguagem do livro. É uma boa e longa polêmica.
Mas ainda vivemos promessas. Embora de respeito. Hoje mesmo
no caderno de Informática do Globo há uma excelente
matéria que comenta a pesquisa do papel inteligente.
Tudo está muito adiantado. Na verdade um chinês
(sempre eles), Chien Tang, da Kodak, usou o conceito da eletrofosforecência
de compostos orgânicos, para dar origem à fabricação
das telas de LEDs orgânicos. Somando o atual estágio
de redes WiFi, os RFID (Radio Frequency IDentification) e
a recente solução da NEC para baterias, a ORB,
de Organic Radical Battery, uma manta de menos de um terço
de milímetro de espessura, flexível, dobrável,
não inflamável, não explosiva, isenta
de compostos tóxicos como metais pesados (níquel,
mercúrio, chumbo ou cádmio) e biodegradável
por se tratar de um polímero orgânico, temos
chances de resolver algo que sempre me pareceu a maior perda
com o fim dos jornais (e revistas, se quiserem apostar): a
portabilidade. Não há nada de mais confortável
que ler em uma rede, ou numa boa poltrona, ou mesmo na cama.
Até aqui não imaginava uma traquitana eletrofosforecente
me acompanhando neste momento de raro prazer. Mas estou aberto
para novos paradigmas.
Sem dúvida é um mundo novo, né? Uma
boa aposta, e do bem, eu diria. Precisamos de um planeta mais
limpo. Mas por hora, não é um mundo sem designers
de notícias, gente que pensa em como melhor trabalhar
uma interface para que o que lá esteja dito, melhor
dito, visto, pensado. Esta página tanto convive hoje
na web como no igual retângulo de papel. E hoje, até
muito ao contrário, a volta dos temores de mudanças
nos negócios nos jornais, principalmente, favoreceu
neste ano a alta no conhecimento do design editorial. Foram
muitos os jornais pelo mundo que redesenharam suas páginas,
de olho em leitores perdidos para a internet, para novos hábitos.
A lista é grande, vamos lembrar do The Guardian, do
Le Monde, do Le Figaro, jornais de peso, entre muitos outros.
Mudanças em formatos, em conceitos de design.
Designers editoriais vivem um bom momento. Portanto as apostas
são grátis. Minhas fichas dizem que muita coisa
vai mudar, sem dúvida: já vejo movimentos. Mas
seja lá como for, pode até ser um mundo sem
papel, mas não será um mundo sem designers.
Abraços,
Claudio Prudente
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