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   EVENTO    SALVADOR/BAHIA 

Meu diário no X NDesign

Marcos Hideki Yamanaka
Fábio Yllen Blanes Araujo
Agosto 2000

Na última semana do mês de julho do ano de 2000, em Salvador, Bahia, aconteceu o décimo N, promovido pelo Cone-Design. Dois malucos da Faculdade de Desenho Industrial de São Paulo aproveitaram o momento de desespero, quer dizer, desemprego e o restinho da raspa da conta corrente e se aventuraram nesta (longa) viagem para participar do NDesign. E, é claro, aproveitar para ver o que é que a baiana tem.

 

 

O que é o Cone-Design

O Conselho Nacional dos Estudantes de Design, Cone-Design, criado em 1996, mas regulamentado em 1998, é uma associação civil, apartidária, sem fins lucrativos, que representa os estudantes de nível superior de Design do Brasil. São membros do Cone-Design todos os estudantes devidamente matriculados em escolas de nível superior de design. O Cone é composto por um conselho, uma secretaria nacional e secretarias regionais, distribuídas de acordo com a quantidade de escolas, por estado e situação geográfica. O Cone tem por finalidade promover a integração dos estudantes, assim como, manter intercâmbio, promover e apoiar atividades, estimular o estudo, defender e lutar pelo aprimoramento do ensino superior de design e pelo incentivo à pesquisa e extensão.

Cabe ao Cone promover reuniões, mostras e eventos, como o NDesign que contribuam para a divulgação do Design, assim como garantir e defender os direitos e reivindicações dos seus associados. As Secretarias Nacional e Regionais são eleitas em reunião do Conselho por voto das escolas de nível superior de Design associadas. As reuniões para as eleições são realizadas durante os Ns, sendo que a gestão para cada Secretaria se estende por um ano. Os alunos de Design associados ao Cone têm o direito de gozar dos serviços e benefícios oferecidos por esta associação, assim como votar e ser votado para funções representativas das Secretarias. Para saber mais acesse a página do Cone: go.to/conedesign (texto adaptado do Estatuto do Cone).

O que é o NDesign

O Encontro Nacional de Estudantes de Design (NDesign) é atualmente o maior evento de congregação de universitários da área de design em toda a América Latina. 50 Universidades de todo o Brasil participam atualmente do evento. O NDesign ocorre anualmente, sempre no período de julho, coincidindo com as férias acadêmicas. O NDesign teve início em 1991, na cidade de Curitiba/PR, contando com a participação de 700 estudantes. Nos anos seguintes, o evento percorreu diversas regiões do Brasil: Santa Maria/RS em 92, Belo Horizonte/MG em 93, Rio de Janeiro/RJ em 94, Recife/PE em 95, São Luis/MA em 96, São Paulo/SP em 97, Curitiba/PR em 98 e Brasília/DF em 99.

No ano 2000 o N ocorreu em Salvador/BA na última semana do mês de julho. Dois malucos da FDI aproveitaram o momento de desespero, quer dizer, desemprego e o restinho da raspa da conta corrente e se aventuraram nesta viagem (longa) para Salvador para participar do NDesign. E, é claro, aproveitar para ver o que é que a baiana tem.

 

 

Diário do NDesign


A ida

Saímos de Sampa às 14:30h do Sábado dia 22, em dois ônibus, com o pessoal do Mackenzie, Faap e FDI, além de, no caminho, pegar os alunos de Lorena. Seguindo viagem tranqüila até a quebra do outro ônibus, que chegou a fundir o motor, tivemos que esperar por mais de uma hora a definição do que fazer. Finalmente prosseguimos a viagem sem o outro pessoal, que teve que aguardar um novo ônibus que saiu de Sampa para socorrê-los. Já estávamos quase na divisa com o Rio de Janeiro.

Tudo parecia tranqüilo quando, ao passar pelo Espírito Santo a polícia rodoviária resolveu averigüar os nomes dos passageiros, que logicamente não estavam regulares, pois havia nomes que estavam na listagem do outro ônibus, incluindo os nossos. Isto causou mais um atraso de mais de uma hora, além de uma molhada de mão do policial. Depois destes pequenos entraves, e muito buraco na estrada, finalmente chegamos a Salvadô na segunda-feira, em apenas 40 horas.

O credenciamento

Para cada participante estava reservada uma ficha de reserva para oficinas (workshops), que totalizavam 60 opções. Porém com 1500 participantes do Brasil todo e com um limite de 20 vagas por oficina, aqueles que chegaram tarde, como nós, tiveram que conseguir as vagas quase no tapa. Muita confusão e a falta de informações precisas foram as características do credenciamento. Finalmente conseguimos estar devidamente inscritos, e com alguma sorte até em mais de uma oficina.

A repentina

A primeira atividade foi no Pelourinho, uma praça histórica no centro antigo de Salvador com arquitetura colonial, e muita história escondida nas paredes da época da escravidão.

A repentina foi uma oficina de criação de instrumentos musicais a partir de sucata. Diversos materiais foram disponibilizados como garrafas plásticas, barbante, folha de flandres, copinhos plásticos, arame, fitas adesivas, latas de alumínio, pregos, tubos de papelão e lixos diversos, como casca de côco, tampinhas de garrafa, jornal. Foram divididos grupos numerados e cada um tinha uma quantidade limitada de recursos para criarem instrumentos em conjunto ou individualmente. Algumas idéias foram inovadoras, outras nem tanto, tiveram aquelas que nem chegaram a funcionar. Mas tudo estava valendo, o que importava era a participação e o contato entre todos. Para finalizar, aconteceu uma passeata com todos os participantes apresentando seus instrumentos pelas ruas estreitas do Pelô.

As palestras

A primeira palestra foi sobre a fotografia no design, basicamente dirigida à programação visual. A fotógrafa jornalista Rosa Berardo demonstrou como a criação de conceitos através da manipulação das imagens é fundamental para transmitir a informação desejada. Com apresentação de slides mostrou como a fotografia é um recorte da realidade, e o enquadramento dado pelo fotógrafo permite desenvolver seu enfoque político daquilo que está clicando. Com a mudança de ângulo de enquadramento, podemos mudar o valor do objeto. Ela entrou na questão psicológica da imagem, através do inconsciente coletivo de Jung, pois o sistema de codificação depende do observador e do que ele está querendo receber.

Apresentou também um trabalho feito com os índios do Alto Xingú, na Amazônia, em que fotografou a influência da cultura branca na cultura local, descaracterizando a tradição indígena. Rafic Farah expôs seu portfólio fazendo comentários sobre o design gráfico causando alvoroço entre os presentes ao tocar em pontos polêmicos. Explicou com detalhes como desenvolveu cada trabalho seu, deixando em evidência sua preferência pela simplicidade na apresentação de um projeto e a necessidade do designer procurar sempre o dono da empresa ao se relacionar com o cliente. Deixou claro também um gosto particular pelo uso de imagem de vaginas em seus trabalhos motivo pelo qual foram recusados alguns de seus projetos.

Em uma apresentação bem humorada e algumas gafes politicamente incorretas, Luli Radfahrer apresentou a palestra sobre como não ficar milionário com produção de websites, onde mostrou o que não se deve fazer quando estiver desenvolvendo uma página da web. Foi enfático em relação a apresentar apenas idéias relevantes, não "encher lingüiça". É necessário ter diferenciação em relação aos outros sites, com seriedade, diferente de ser sério. Para isto deve-se saber qual o público alvo, utilizando-se uma pesquisa de mercado. Resumindo, os itens mais importantes, segundo Luli, foram:

  • unicidade;
  • impacto;
  • inovação;
  • interface e
  • conteúdo.

Numa palestra esclarecedora e bem montada, Manoel Ernesto Hernandez Acosta demonstrou como o designer pode trabalhar com o artesanato, deixando bem claro a diferenciação entre arte, artesanato e design. O palestrante fez um apanhado histórico, desde a década de 60, quando começou a desenvolver um trabalho na Colômbia resgatando a cultura artesanal daquele país. Na década de 70 trabalhou também com design têxtil voltado para cultura regional.

Como o designer pode trabalhar com o artesanato? Classificando como produção única (objeto de arte), produção repetida (artesanato) e produção em série (industrial), podemos entender que o artesanato pode recorrer ao design tanto na parte de pesquisa histórica e cultural, como também novas tecnologias, materiais e processos, que podem ajudar na execução dos trabalhos, sem que sejam produzidos em série. Ele já trabalha em sistema de parceria entre a universidade/Sebrae/artesão de forma que os estudantes, vinculados a uma empresa Junior, possam prestar consultoria aos artesãos, auxiliando ambos os lados.

Ana Beatriz S. Factum, uma arquiteta apresentou a palestra sobre Design em jóias na Bahia. Através de slides mostrou o trabalho desenvolvido pelos seus alunos, que foram premiados em diversos concursos estaduais. Também utiliza-se de pesquisa cultural para criar jóias temáticas, com base no desenho de formas que remetam à história da Bahia e seus costumes. Os renderings baseados nas formas de objetos utilizados em cerimoniais de candomblé e festas de orixás, são inspirações para a construção das jóias, que foram produzidas em metais nobres acompanhados por pedras preciosas e semipreciosas. Todos os trabalhos foram comprados por fabricantes de jóias e os alunos contratados imediatamente, alguns foram até "exportados". Mais informações podem ser encontradas no site www.simonjoias.com.br

A oficina

O tema era Mergulho no Processo Criativo, onde Goya Lopes, designer têxtil, demonstrou como desenvolve o seu trabalho de criação de estampas. Baseado em referências negras (africanas), busca consolidar um conceito, uma característica que seja reconhecida em seu trabalho, como cores, traços, composição. A partir de uma idéia, no exemplo dela, a criação do Mercosul no início da década de 90, desenvolveu estampas que formaram uma trilogia, iniciando com o título A Energia, depois A Abertura, e finalmente A Miscigenação. Para seu trabalho, Goya estudou com profundidade o que é o Mercosul, quais os motivos que levaram a acontecer, como aconteceu e o que acarretou o fim das barreiras alfandegárias na América do Sul. Sem perder a referência em cores e traços africanos, ela criou as três estampas que através de sua explicação é possível compreender a idéia. Esta compreensão cativa o observador, pois cria um vínculo entre este e a designer. A partir deste contato, é possível reconhecer o trabalho de Goya em outros locais, como encontramos em mesas de restaurantes, sem que soubéssemos antecipadamente, apenas pela observação dos traços e cores, concluímos que eram toalhas criadas por Goya Lopes. Esta é uma prova que a designer conseguiu criar uma identidade própria, que se tornou uma característica marcante do seu trabalho.

O nosso trabalho na oficina no primeiro dia foi, a partir dos mesmos títulos utilizados por ela, criar estampas modulares imaginando uma trilogia. Poderiam ser utilizadas as técnicas de lápis de cera, lápis de cor e canetas hidrográficas. Os primeiros roughs foram feitos em papel manteiga A2, passados depois para papel sulfite A3. No segundo dia da oficina, foi feita uma composição utilizando todos os desenhos feitos individualmente. Para isso a convivência coletiva foi fundamental, pois através da discussão entre todos os participantes foi surgindo a forma da composição. Como cada desenho foi feito por uma cabeça, tentar colocar diversas idéias diferentes para compor uma só é uma tarefa difícil, já que é necessário controlar a vaidade de cada um, através de um processo empírico, em que cada um poderia alterar a posição dos desenhos, desde que tivesse acordo entre todos. Uma tarefa que durou mais de duas horas de discussões. Finalmente terminada a composição, o trabalho definitivo possuía um equilíbrio entre as formas e cores, e que segundo Goya, atingiu o objetivo da oficina.

As festas

Talvez tenha sido o ponto mais alto do encontro, ou melhor, onde havia o maior quorum. Na segunda feira, logo após a repentina, um breve passeio pelo Pelourinho terminou no ensaio do Olodum Mirim, que realmente mexe com a alma de qualquer um. O som produzido pela bateria impressiona, o sincronismo e o ritmo são impossíveis de serem desprezados. Aliás, batuque no Pelô é 24 horas por dia. Somado a toda inspiração negra, foi o nosso primeiro encontro com diversas delegações, como por exemplo, Brasília, Pará, Curitiba, Bauru, Rio de Janeiro, Ilhéus, e outras faculdades de São Paulo. Na terça feira, um forrogode em uma danceteria não terminou antes das 5 horas da manhã. Muita animação, apesar da banda não agradar.

A quarta feira teve seu encerramento numa danceteria chamada Rock in Rio Café, que prometia ser uma noite de funk, porém rolou só um certo pop dançante. A casa lotada, foi o ponto alto da festa, mas os preços exorbitantes (latinha de cerveja R$ 3,00) impediam qualquer exagero etílico. A quinta foi coroada com uma festa de máscaras no Farol da Barra, numa danceteria nas margens da praia, num visual paradisíaco, com o som de bate estaca (dance) a noite inteira. As máscaras utilizadas haviam sido produzidas pelos próprios participantes do NDesign em uma repentina na Praça Castro Alves.

Na sexta no Museu da Ciência e Tecnologia, dois shows de bandas locais fizeram a festa daqueles que agüentaram esperar mais de 3 horas de atraso. Uma banda Rock'n roll e outra de reggae animaram os resistentes estudantes. A grande maioria dos participantes do N, entretanto, foram a um outro bar do outro lado da rua, que parecia estar mais animado e não havia atrasos.

Infelizmente o sábado foi marcado pela ressaca, pois não houve os eventos marcados (mesas redondas e plenária), nem a festa de encerramento. Comparecemos ao MCT, mas chegamos quando o palco estava sendo desmontado, e praticamente nenhum estudante por perto.

As reuniões do Conselho

As reuniões do Cone com as Secretarias e os representantes das faculdades aconteciam todos os dias, mas o ponto alto aconteceu na 6ª feira quando foi feita a votação para o próximo NDesign. Nas reuniões anteriores só duas faculdades tinham apresentado propostas para sediar o N do ano que vem: Unesp de Bauru e UFPE de Recife. Bauru mostrou ter melhor organização, porém Recife apresentou melhor conteúdo. Sua proposta baseia-se na idéia de reunir sugestões de todas as faculdades durante o ano e elaborar o N a partir da condensação dessas idéias. Seria então um N feito por todos nós, apontando os erros dos Ns anteriores, assimilando os acertos e apresentando novas idéias.

A votação foi apertada. Eram 21 representantes de faculdades de todo o Brasil, e Recife acabou levando por 11 votos a 10. Foi nessa reunião também que houve as mudanças de gestão. A Unesp de Bauru que presidia a Secretaria Nacional passou a bola para o pessoal de Tuiuti, Curitiba-PR, que assumiu a presidência e deve vigorar até o próximo N. Estava presente nesta reunião Ivens Fontoura, presidente da Aladi (Associação Latino Americana de Design) que leciona em Tuiuti e se comprometeu a apoiar a nova presidência. As Regionais também fizeram suas mudanças e a nossa regional SP agora está nas mãos de Marina Chacur, da Faap e Elis da Unesp, de Bauru.

 

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Marcos (1968) é técnico em eletrônica e cursa atualmente 3º ano de Desenho Industrial na FDI – Faculdade de Desenho Industrial de São Paulo (Projeto do Produto).
 
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Fábio nasceu em São Paulo/SP, no ano de 1957. Cursa o 3º ano de Desenho Industrial na FDI – Faculdade de Desenho Industrial de São Paulo (Programação Visual), trabalhou com design gráfico na Linker Promoções além de projetos eventuais.
 

MAIS INFO 
 www.simonjoias.com.br
 www.uneb.br/xn
 go.to/conedesign

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