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Ilustração 
Papel, cola e Photoshop
Breve histórico de um ilustrador

Ilustração sobre a desorientação
dos órgãos responsáveis pela cultura.
A face do livro, ao mesmo tempo em que se abre, se subdivide
em duas e aponta para lados opostos, evidenciando a falta
de rumos da política cultural do governo. Os braços
cruzados reforçam esta situação.

Em alusão às confusões do Ministério
da Cultura, os nós da mangueira fazem a água jorrar
em círculos, sem atingir sua meta. O tratamento gráfico
pesquisa novas texturas e cria um fundo com construção
mais solta e caótica. Os elementos pictóricos
da colagem não trazem símbolos agregados que possam
interferir substancialmente na metáfora principal. Continente
Multicultural, 2004.

Abordagem "gráfica" que acompanha texto crítico
à Rede Globo. O olho circular do personagem reforça
a polaridade com o elemento também circular
que compõe o logo da emissora, e confere maior unidade
à solução. Folha de São Paulo, 2003.
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Minha prática profissional como ilustrador é
recente, iniciada há pouco mais de três anos
na revista Caros Amigos. O período de trabalho para
a revista foi importante para o desenvolvimento inicial, onde
experimentações contribuíram, aos poucos,
para a definição de alguns caminhos.
Comecei misturando traço solto e colagem. De modo
geral, as figuras principais eram resolvidas a traço,
e o fundo era composto por recortes de jornal e revistas.
O desenho era feito de modo rápido e agressivo, com
caneta preta, e tinha uma linguagem derivada da cultura dos
quadrinhos alternativos. No entanto, optei em determinado
momento por soluções menos expansivas e mais
sutis, apresentando as figuras principais com contornos discretos.
Para tanto, passei a criar os elementos mais importantes com
colagem também eliminando o traço
e apresentando estes em um desenho geométrico, de contornos
retilíneos, feitos essencialmente de tinta acrílica
e alguns detalhes de recortes de revistas. Como apreciei o
recurso e houve receptividade à solução,
comecei a aplicá-la com mais freqüência,
o que foi importante para o aprimoramento da linguagem. Desde
então passei a criar imagens com formas simples, geométricas,
e uso de texturas.
Referências
Em meu trabalho final de graduação na FAU-USP,
desenvolvido em 2001 sob orientação do professor
Silvio Dworecki, resolvi trabalhar com imagens extremamente
simples figuras geométricas pretas de nanquim
sobre papel branco para exercitar os fundamentos básicos
do desenho. A opção pelo estudo de soluções
de grande simplicidade foi decorrência de uma análise
crítica de minhas ilustrações, uma vez
que estas vinham apresentando alguns problemas de composição,
excesso de alegorias, falta de clareza quanto ao foco e figuras
principais. Eu vinha me preocupando em "explicar"
demais o texto das matérias, comprometendo a força
poética e cognitiva da imagem com uma grande quantidade
de alegorias espalhadas, correspondentes a um amontoado de
idéias e mensagens sem um adequado trabalho de síntese.
Julguei ser importante partir do mais simples para me concentrar
em alguns aspectos fundamentais de desenho como um
recomeço. Neste período foi importante ter me
voltado para o trabalho de referências como Saul Steinberg
e Folon.
Steinberg faz desenhos com abordagem "gráfica",
onde cada linha e elemento gráfico passa a ter importância
fundamental no significado do desenho, de modo a ir além
do descritivo e se desdobrar em novas significações.
Neste sentido, linhas de papel quadriculado podem se transformar
em prédios modernos, com o auxílio de gestos
mínimos e sutis sugestões acrescentadas ao desenho,
como pára-raios situados no topo do quadriculado. No
caso, a beleza de um único gesto serve para levantar
questões sobre os prédios modernistas que vinham
sendo construídos na época. Já Folon
tem um trabalho com uso refinado de alegorias, onde o tratamento
gráfico e o simbólico estão integrados
em harmonia.
A obra de Folon mostra que a utilização de
recursos como composição simples, definição
clara do elemento principal, e uso restrito e bem definido
de alegorias, não compromete as potencialidades poéticas
da imagem, mas pelo contrário, se apóia na simplicidade
para abrir espaço para um campo aberto de leituras.
Com o tempo, outros nomes foram se incorporando ao meu quadro
de influências com abordagens diversas, dos cartazistas
Cassandre, Savignac, Leupin, a artistas como George Grosz.
É importante lembrar que estas referências não
dizem respeito apenas ao estilo, mas ao modo de trabalhar
idéias graficamente.
Além das referências mais importantes, de modo
geral bastante modernas e tradicionais, não deixei
de sempre observar trabalhos da ilustração americana
atual, presente em anuários como o American Illustrators;
de quadrinistas alternativos do mundo todo, como os publicados
por editoras, revistas e grupos como Fantagraphics, Drawn
& Quarterly, Strapazin e L´Association; e do que
vem sendo feito em outras áreas como design, artes
plásticas e animação, sejam contemporâneos
ou tradicionais.
Nas redações
Depois de um período criando ilustrações
para a Caros Amigos e Folha, fiz o Curso Abril e trabalhei
como diagramador na revista Exame, o que foi uma experiência
importante para compreender melhor todo o processo de realização
de uma revista e o papel da ilustração neste
contexto. O trabalho diário com design contribuiu para
o aprimoramento de noções de aplicação
da ilustração em uma página, e de possíveis
relações entre a imagem, os espaços vazios,
o título da matéria, a mancha de texto. Na busca
por idéias para ilustração, e no dia-a-dia
nas redações folheando os catálogos de
imagens para estudar possíveis soluções,
acabei tendo uma melhor compreensão de quais são
as fórmulas fáceis, e para onde caminham as
abordagens menos redundantes. Ao observar muitas revistas
publicadas no Brasil e no mundo, fiquei com a impressão
de que os catálogos de bancos de imagem, apesar de
sua praticidade, ajudam a perpetuar um modo de entender a
ilustração que tende para o clichê e para
a repetição de soluções. Em parte
porque se acredita, erroneamente, que a boa ilustração
deva sempre "explicar" a matéria, e neste
sentido o que muitas vezes se exige dela é algo demasiadamente
próximo do literal, com alusões excessivamente
diretas ao assunto. Sendo assim, o campo de possibilidades
de solução fica mais restrito, e os resultados
acabam apelando invariavelmente aos já manjados apertos
de mãos, lanterninhas, caminhos com flechas, etc. Como
estes catálogos apostam em soluções para
tal contexto de uso da imagem, fica evidente o investimento
nos recursos gráficos mais comuns, com resultados gráficos
bem distantes dos trabalhos de ilustradores como Rubem Grilo
e Trimano, dentre outros.
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Ilustração sobre o E-Procurement,
um sistema eletrônico de compras eficiente e ágil.
A imagem evidencia o controle e acesso que a figura principal
tem sobre um único corpo uma árvore
, de onde coleta o que lhe interessa a partir da variedade
de opções. Não foram utilizados elementos
do universo eletrônico e corporativo. Revista Info
Corporate, 2003.
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Nesta ilustração foi utilizado
recurso simbólico fantasioso para sugerir problemas
de download de programas. Macmania, 2003.
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Fragmento da história em quadrinhos, "Onde Enfiei
o Glauber?", publicada na revista Ragú, em 2002.
Foi exposta na mostra espanhola Consecuencias, e participou
do anuário da Society of Illustrators de 2004.

Recursos com maior dinamismo e fantasia foram aplicados para
comentar o ato criativo e o egocentrismo. Revista Ragú,
2003.
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Os bonequinhos de papel
Com a sucessão de trabalhos para diversas publicações
do meio editorial, como Folha de São Paulo, revistas
da Editora Abril, dentre outras, fui aos poucos elaborando
um processo de criação próprio, baseado
essencialmente na colagem manual e tratamento digital.
Inicialmente, dedico um bom tempo quando possível
à idéia e concepção da
imagem, fazendo vários rascunhos. Uma vez escolhida
a idéia, desenho os contornos de todas as figuras a
lápis, em papel sulfite, e transponho-os para papel
duro, de aquarela ou rugoso. Eles são posteriormente
recortados, virando peças soltas, "bonequinhos
de papel". Sobre a camada dos bonequinhos aplico recortes
de jornal e revista, camadas diversas de papel, e tinta acrílica.
Se em meus primeiros trabalhos as pinceladas eram feitas com
certa violência, gerando espessas camadas de tinta que
se configuravam em texturas de aspecto rústico, posteriormente
estas começaram a ser trabalhadas com mais cuidado,
com maior atenção à volumetria, ao claro/escuro,
a gradações de cor e variações
de tonalidade. Com o tempo, também, a disposição
das camadas de pedaços de papel passou a ser mais calculada,
e a quantidade de detalhes aumentou. O desenho passou a ter
contornos com geometria mais solta e variada mas não
menos calculada à medida que a quantidade de
influências e o interesse por trabalhos de novos autores
aumentavam.
Uma vez prontas as peças, scaneio-as e desenvolvo
as imagens no Photoshop, trabalhando as cores, contrastes,
sobreposição de texturas, composição,
proporções. É comum a mudança
total de cores no Photoshop. É possível também
tirar proveito da praticidade dos recursos digitais, e refazer
e transformar os elementos já scaneados. Quando uma
situação permite ou sugere outras soluções,
posso também fazer trabalhos vetoriais e com outras
técnicas, aproveitando a oportunidade para conduzir
a linguagem a novos caminhos.
O uso da imagem
Trabalho a idéia da ilustração a partir
do assunto abordado, estudando a relação entre
imagem e texto. Um de meus interesses na elaboração
da idéia de uma ilustração é procurar
conferir a ela uma certa autonomia e deslocamento em relação
à matéria que a acompanha. É um modo
de evitar a ilustração que é mera explicação
descritiva e repetitiva do assunto, de caráter superficial
e decorativo. Para tanto, procuro estabelecer uma conexão
com o conteúdo da matéria por meio de
metáforas, alegorias, analogias e sutilezas gráficas
que seja aberta o suficiente para que a imagem possa
ter significado e despertar interesse mesmo quando vista isoladamente.
Isso permite uma maior riqueza de leituras, confere sobrevida
à imagem e dá margem a novas possibilidades
de criação.
Acredito ser do "casamento" entre as necessidades
do cliente e a visão do autor que surgem as melhores
condições para a renovação da
linguagem. O cliente deve, em tese, escolher determinado ilustrador
a partir de suas necessidades, levando em consideração
não apenas o seu "estilo" mas também
o modo de pensar graficamente. A capacidade do ilustrador
de conceber imagens de modo reflexivo e crítico não
deve ser deixada de lado a serviço de um trabalho meramente
decorativo, sujeito a idéias previamente impostas.
Isto não significa, por parte do ilustrador, ser totalmente
inflexível e ter um estilo único e imutável,
mas ter parâmetros, preferências e posturas pessoais
construídas a partir da experiência, da observação
e pesquisa, do acerto e erro, de modo a desenvolver um campo
de novas possibilidades, que podem caminhar e se renovar permanentemente.
Vejo este mérito no trabalho dos bons ilustradores
autorais, que por selecionarem suas preferências, e
trabalhá-las durante anos, acabam por atingir resultados
originais com maturidade e consistência. Ao contrário,
posturas excessivamente pragmáticas, que privilegiam
cegamente a visão do cliente sem contraposição
a qualquer crítica pessoal, acabam por gerar cópias
de ocasião, onde referências muitas vezes
de trabalhos autorais são decalcadas para outros
contextos de modo pouco criterioso, banalizando a imagem.
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Daniel
Bueno (1974) é formado na FAU-USP e
atua como designer gráfico e ilustrador.
Vencedor do Salão Internacional de Desenho
para a Imprensa de Porto Alegre na categoria ilustração
editorial (2003), expôs recentemente na
Espanha Madrid e Barcelona , e na
Society of Illustrators de Nova York. É
membro da SIB Sociedade dos Ilustradores
do Brasil e faz mestrado na FAU-USP em
História da Arte e Arquitetura.
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