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   ARTIGO 

A marca como ideal de vida

Daniel Raposo Martins
Outubro 2005

"Falar em marca não é apenas referir-se ao plano físico mas sobretudo ao mundo simbólico coletivo, de passível construção e reconstrução a cada instante"

 

A juventude da disciplina do design e o fato desta ter surgido de fora para dentro das empresas, contrariamente ao marketing, será uma das razões pela qual o desenvolvimento e gestão da marca aparecem normalmente como competências deste último. Porém, embora como refere Wally Olins (1995, p. 7) [1›], o termo imagem corporativa surgiu apenas na década de 1950 usado por "Walter Margulies, chefe da distinta consultoria de Nova Yorke Lippincott & Margulies". É de conhecimento público que o primeiro projeto de identidade corporativa tal como hoje é entendido, surgiu pelas mãos de Peter Behrens e Otto Neurath em 1908 na AEG, onde desenvolveram um programa completo constituído por projectos de edifícios, fábricas, oficinas, estabelecimentos comerciais, produtos, lâmpadas industriais, serviços de chá, logotipos, cartazes, folhetos, anúncios publicitários, catálogos etc., relacionados por um mesmo conceito corporativo.

Na opinião de Joan Costa (2004, p. 101) [2›], o termo "identidade corporativa" terá sido criado nos Estados Unidos, com base em projectos como o da AEG, mas adotando uma perspectiva mais redutora, confinada apenas aos aspectos gráficos, eventualmente por ser mais fácil de comercializar e assim se terá generalizado.

Erradamente, mesmo os próprios designers tendem a confinar o seu trabalho apenas aos aspectos gráficos da marca, esquecendo que dessa forma apenas resolvem parte do problema, negando as suas capacidades e responsabilidades enquanto estrategistas, importantes para o sucesso da empresa e de qualquer marca.

Uma marca vive sobretudo de comunicações da empresa para com o seu público, cuja experiência de uso do produto ou serviço deve ser a melhor e a mais diferenciadora possível. Afinal, a marca contemporânea assenta na sociedade da informação e por isso são as empresas que têm de se adaptar a um cliente cada vez mais exigente, informado e com necessidades essenciais satisfeitas.

Norberto Chaves refere que a empresa contemporânea é um centro semiótico corporativo, emissor e receptor de mensagens que formam sistemas de signos (mensagens com significado) que procuram criar valor no serviço ao cliente. Ou seja, de todos os contatos do cliente com a empresa, resultam mensagens veiculadas propositadamente, como são exemplos discursos verbais ou escritos da direção, web site, folhetos, a marca gráfica e outros objetos institucionais, mas também indiretamente como o aspecto do edifício, a aparência dos empregados e a sua prestação ou a qualidade do serviço ou produto. O cliente recolhe as informações disponíveis dependendo dos contatos que tem com a empresa, produto e serviço, decodificando as mensagens por comparação com a concorrência e com o nível da sua própria experiência ou satisfação. Assim, forma-se uma opinião ou imagem mental da marca, um mundo simbólico construído pelo destinatário ou cliente e que pode ser comum a um grupo. A grande questão passa a ser como controlar a construção do mundo simbólico coletivo? E a resposta apenas pode ser: garantindo que as mensagens, direta e indiretamente transmitidas, devem verbalmente e visualmente ser coerentes ao nível semântico e da retórica (aplicação), para que a intenção (desígnio) seja apreendida dessa forma (decodificação).

Assim, falar em imagem de marca é referir-se em simultâneo a duas dimensões distintas mas complementares. A imagem corporativa refere-se a uma análise feita pelos públicos, que resulta de todos os dados provenientes da organização (podendo dar azo a diferentes interpretações ou imagens).

Confundem-se imagens visuais (eikon) com as imagens mentais ou da imaginação (imago). "Imagem gráfica não é identidade corporativa, ainda que esteja generalizado considerá-la enquanto tal… graficamente apenas, não se constrói a imagem nem a identidade corporativa, mas simplesmente a identidade gráfica, que contribui para a construção da imagem corporativa". (Joan Costa, 2004.) [3›] Resumidamente, imagem de marca ou imagem corporativa diz respeito a uma opinião ou imagem mental sustentada por um grupo (podem existir diversas imagens de marca, dependendo da percepção de diferentes grupos); é o mesmo que falar em reputação corporativa.

A identidade corporativa refere-se à personalidade e cultura da empresa, à visão interna do staff sobre a própria organização. Assim sendo, é fácil compreender que para alterar o posicionamento ou revitalizar uma marca não basta alterar o seu componente visual, mas implica repensar a própria forma de negociar e de todo o processo necessário a disponibilizar o produto ou serviço, pois cada componente da empresa comunica por si e contribui para a imagem mental ou mundo simbólico coletivo – a marca.

Falar em marca não é apenas referir-se ao plano físico (onde está a marca gráfica) mas sobretudo ao mundo simbólico coletivo, de passível construção e reconstrução a cada instante, dependendo das mensagens que resultam da empresa, produto ou serviço. Assim sendo, o grande esforço das empresas vai no sentido de disponibilizar a melhor experiência de uso possível ao cliente, através de argumentos lógicos (qualidade preço, função etc.) e emocionais (apelo à sensação, ao prazer ou status etc.).

A teoria de motivação de Abraham Maslow (1992) refere que as necessidades humanas obedecem à uma hierarquia ou escala de valores onde sempre que uma necessidade é satisfeita, aparece uma nova (que deve ser satisfeita) e, quando não é suprimida, é substituída ou transferida (na base estão as necessidades fisiológicas e no topo as de auto realização). Um dado importante para compreender porque as marcas contemporâneas mudam os seus argumentos lógicos para emocionais.

Na verdade, as marcas atuais compreenderam que uma grande maioria dos clientes têm as suas necessidades fisiológicas satisfeitas e procuram algo que os satisfaça pelo prazer da experiência. É neste ponto que se mede o valor acrescentado e o ponto de diferenciação. Para Wally Olins (1995, p. 10) o valor acrescentado que permite a diferenciação de uma empresa relativamente aos seus concorrentes, prende-se com a relação emocional que se estabelece com o consumidor, fazendo-o com argumentos lógicos e emotivos. Opinião partilhada por José M. Martins (1999, p. 12) [3›], para quem abordar a questão da marca é falar em emoções, pelo que no processo de concepção e divulgação de uma marca é necessário compreender o que motiva a opção de compra e é fundamental utilizar uma imagem (mental e simbólica), adequada aos sentimentos do consumidor.

A marca emocional é a razão pela qual os detergentes atuais deixam de prometer lavar bem – o que passa a ser um dado adquirido e exigido – para oferecerem algo mais que transita para o fator emoção, como deixar a roupa fresca ou perfumada.

Em vez de produtos ou empresas, a marca contemporânea passa representar um ideal de vida, um arquétipo emocional ou filosofia de vida, na qual os consumidores revêem os seus desejos ou aspirações, ou através da qual podem asceder a determinado status.

A marca será o resultado de experiências multisensoriais, de dados e argumentos lógicos ou emocionais, oriundos da organização pelos mais diversos meios (marca gráfica, sonora ou olfativa, da embalagem, da arquitetura e estado dos edifícios e ambientes de alojamento das organizações, da qualidade dos produtos e dos serviços, da interface com os empregados, dos anúncios e artigos de imprensa, da comunicação institucional, das opiniões de amigos, de inimigos e do público em geral, de rumores etc.), seja de forma direta ou indireta, e que condicionam a construção de um mundo simbólico partilhado. Neste sentido, a marca aparece como um conceito, uma filosofia ou mundo simbólico partilhado por um grupo ou como refere Maria João Vasconcelos [4›], é uma ideologia, uma diferença, um ser vivo, uma comunidade e uma reinvenção constante.


Notas

  1. OLINS, Wally, Imagem Corporativa Internacional. Barcelona: Editorial Gustavo Gilli, 1995. [‹ VOLTAR]
  2. COSTA, Joan – La Imagen de Marca. Barcelona: Paidós Diseño, 2004. ISBN: 84-493-1531-X. [‹ VOLTAR]
  3. Afirmação de Joan Costa por e-mail enviado ao autor do artigo. [‹ VOLTAR]
  4. MARTINS, José; A Natureza Emocional da Marca: como encontrar a imagem que fortalece sua marca. 4ª Ed. São Paulo: Negócio Editora, 1999. [‹ VOLTAR]
  5. 14 de Novembro de 2004, em representação da Brandia Network, "Semana Nacional do Marketing: Marcas o 5º Poder", da APPM. [‹ VOLTAR]
 

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Daniel Raposo Martins (1977) é designer de comunicação e desenvolve atividade profissional na área da Identidade Corporativa em Portugal. Freqüenta cursos de design desde 1993, destacando-se a sua Licenciatura em Design de Comunicação e Técnicas Gráficas, Variante Design Gráfico e Publicidade e a freqüência do mestrado em Design, Materiais e Gestão de Produto, aguardando defesa da sua tese com o título "Gestão de Identidade Corporativa: do sigo ao código". Reside na cidade de Castelo Branco onde é professor na Escola Superior de Artes Aplicadas de Castelo Branco, mas foi o estado caótico da profissão e a luta por um ideal que procura o bem comum dos designers, que o levaram a ser membro fundador e atual secretário de Direção da Associação Nacional de Designers, Portugal.
 

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