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   Entrevista 

Liberdade: melhor assim?

Opinativa entrevista Alexandre Maravalhas*
Fevereiro 2002

foto por Edson Pontes

A moderação na [dG] não era desejada; ela foi uma necessidade

 

Originalmente editada e publicada no site Opinativa**

 

Opinativa – Para nos situarmos inicialmente gostaríamos de saber como, quando e por que surgiu a [designGráfico], quantos membros e quais são os seus objetivos futuros?

Alexo – Bem, é dificil prever qualquer grande mudança de direcionamento para o grupo no futuro, da mesma forma que não planejei tamanho crescimento hoje, dois anos depois da fundação da lista, em 15 de outubro de 1999. O espaço surgiu, inicialmente, para suprir uma necessidade particular na troca de informação sobre design gráfico, numa época em que eu iniciava na atividade, e como autodidata, sentia a necessidade desse intercâmbio.

Lembro bem da vontade em reunir virtualmente (que seria a forma mais prática e abrangente de reunir profissionais da área) alguns poucos colegas para a troca de mensagens eletrônicas, de alguma forma. O "estalo" foi em cartas que li, na época, na revista Design Gráfico, onde os autores (leitores do veículo) se dispunham ao intercâmbio, enviando seus endereços de e-mail. Tentei contato com alguns deles e, curiosamente sem resposta, tomei a iniciativa.

O marco zero do projeto começou por uma pesquisa sobre os grupos de discussão já existentes. A falta de listas interessantes (tanto quantitativa, quanto qualitativamente) foi estimulante no sentido ideológico (que tipo de contribuição um grupo de debate virtual pode oferecer a estudantes, profissionais e interessados em design?) e prático, efetivada na criação do espaço em um serviço gratuito de maillist. A partir daí, o trabalho foi apenas uma evolução das idéias fundamentais e, no início, muita dedicação na divulgação "boca-a-boca" e, de um membro passou a dois, três... Hoje, em fevereiro de 2002, a [dG] conta com pouco mais de mil membros ativos.

Meu objetivo atual é o cuidado com a administração e manutenção do grupo buscando sempre o desejado equilíbrio entre quantidade e qualidade, baseado em normas internas que objetivam a produtividade.

Opinativa – Sabemos que a principal forma de se regular um grupo de discussão, ou uma comunidade virtual é através do uso de moderação. Quais os instrumentos de apoio e quais os critérios básicos de moderação na [dG]?

Alexo – Concordo parcialmente com esta afirmação, porque que nem todo grupo deseja ser norteado por um regulamento. Alguns teriam um desejado "sucesso" exatamente nos momentos mais exacerbados, mais caóticos, de maior tensão! Cada comunidade tem seus objetivos e a moderação é uma ferramenta necessária para aqueles que desejam oferecer algum grau de pertinência, de produtividade aos seus membros.

Mas a moderação também traz pontos negativos: diminui ou restringe a liberdade de expressão (não se pode dizer tudo o que quer), exige a presença de moderadores acompanhando ativamente os debates (a [designGráfico] conta hoje com três moderadores) e atrasam a entrega de mensagens a todo o grupo (já que mensagens terão que passar pela aprovação de um moderador antes de ser enviado à toda lista).

Então a moderação não é um desejo intrínseco a todo grupo de discussão, mesmo àqueles que querem oferecer um mínimo de qualidade aos seus assinantes. Com a [dG], a moderação não foi planejada inicialmente, nem desejada e até evitada, e passou a ser aplicado em níveis diferentes, progressivamente, por necessidade, devido ao aumento do participantes. Inicialmente, a lista era totalmente livre nos primeiros meses; passou a receber mensagens administrativas gerais quando necessário; passou a contar com moderação passiva, onde a ação era tomada apenas após o envio de mensagem imprópria, mudando para moderação total (ativa), o estágio atual, onde todas as mensagens passam pelo crivo de um moderador antes do envio a todos os membros.

O formato atual, considerando os pontos negativos da moderação, praticamente só trouxe benefícios ao usuário final, que assina um grupo específico, desejando um nível de coerência tal qual sua proposta. A qualidade da [dG], na minha opinião, melhorou muito depois dessa medida, já que evita-se que 1) grande parte dos confrontos de caráter pessoal (muito comum, devido à restrição da comunicação escrita, que reduz a possibilidade de nuances sutis de expressão), 2) mensagens consideradas danosas não chegam ao "grande público", entre elas: mensagens de propaganda não solicitada (Spam), arquivos contaminados com vírus, anexos excessivamente grandes, mensagens fora do tema principal (Hoax, piadas etc.) e até alguns casos de conteúdo improdutivo, de análise mais subjetiva do moderador, como puros agradecimentos, contatos particulares ou redação extremamente informal e restrita, onde recomendamos o uso do "PVT" ou seja, o envio em particular somente ao membro interessado.

Os instrumentos práticos para acompanhamento por moderação são oferecidos pelo sistema de maillist, que atualmente é o do Yahoo! Grupos, o melhor serviço que tenho conhecimento. Nele, o grupo é ajustado para o tipo de moderação desejada e, no caso de moderação ativa, as mensagens ficam aguardando a liberacão (ou não) por um dos moderadores, que são membros comuns que ganham privilégios, recursos de acessibilidade a estas mensagens. Mensagens aprovadas são enviadas a todos os membros e rejeitadas são, pelo nosso regulamento, devolvidas aos autores com as devidas justificativas ou sugestões de produtividade e etiqueta. As ações do moderador, na [dg], são delineadas por um estatuto, que está publicado em nosso site, no momento da inscrição, onde o novo membro concorda ao assinar a lista.

As regras são basicamente relativas à produtividade, a ética, ao respeito interpessoal, ao foco ao tema e nao às pessoas e, em geral, ao tom da redação.

 
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CADA COMUNIDADE TEM SEUS OBJETIVOS E A MODERAÇÃO É UMA FERRAMENTA NECESSÁRIA PARA AQUELES GRUPOS QUE DESEJAM OFERECER UM GRAU DE PERTINÊNCIA, DE PRODUTIVIDADE AOS SEUS MEMBROS"
   
   

Opinativa – O meio virtual permite o anonimato e o aumento da liberdade de expressão. Como os moderadores agem para manter o bom ambiente num grupo de personalidades tão diversas?

Alexo – É verdade. O anonimato combinado com a restrição comunicativa da opinião escrita informal pode ser uma química inflamável! Tanto um posicionamento mal intencionado, apoiado e suportado por endereços de e-mail gratuítos, quanto aquela da boa intenção que pode ser erroneamente interpretada por motivos diversos, seja ele na falha da redação, na falta de expressividade, na leitura subjetivas, como na interpretação de quem lê e, na falta de um texto mais trabalhado, este poderá receber deturpadas as intenções originais do autor. Essa conjunção de fatores pode gerar o que chamamos de flames (conteúdo inflamado, provocativo, agressivo).

Outro fator que pode ser adicionado a esse caldeirão é o que identificaria como "caricaturização" de personalidade. Alguns associados tendem a evidenciar alguns pontos de sua personalidade, ou, no próprio estilo de escrever, estas características ficam salientes, nem sempre correspondendo à sua pessoa no seu dia-a-dia. Assim, alguns personagens acabam tomando forma, espontâneamente ou não, nos grupos que atuam.

Para a definição da linha de moderação é preciso um bom entendimento entre os moderadores sobre as normas, as formas de atuação, os limites, o tratamento e, principalmente, os critérios. É preciso que eles sejam formalizados em forma de texto explícito, objetivo e claro, tanto para os colaboradores da administração, quanto para os membros. Nosso estatuto rege esses procedimentos, está explicitado no site, na seção de inscrição, é reenviado ao novo assinante, além disso, é encaminhado a todo o grupo, todo mês, reforçando as regras internas de produtividade, postura e interação.

Existem dois momentos básicos de ação: 1) a partir de sugestionamento, esclarecimento, indicação do melhor formato de participação, que é feito tanto por mensagens administrativas gerais e eventuais quanto por membros mais antigos ou esclarecidos quanto à netiqueta; e 2) moderação efetiva sobre mensagens irregulares enviados ao grupo. O ideal é que exista um nível tal de esclarecimento e colaboração por parte dos membros que o segundo momento não se fizesse necessário.

Para isso é preciso que exista uma "campanha" constante, mas também o interesse do novo membro em se inteirar das sugestões e regras internas que cada grupo possui, maximizando qualitativamente a sua interação com o restante do grupo. Em uma regra geral, os moderadores eliminam um excesso considerado prejudicial em prol da comunidade.

Opinativa – Pode-se dizer então, que em toda comunidade virtual os membros "convivem" sob um tipo de liberdade controlada?

Alexo – Sim, mas em níveis diferentes. Algumas regras são impostas inclusive pelo próprio provedor de mensagens, outras são limitações do próprio meio, e a maioria das regras para grupos de discussão se relacionam com a produtividade, que tem a ver com o tempo e da disponibilidade dos membros, além de, claro, sugestões de relacionamento pessoal. Como disse em questão anterior, a moderação na [dG] não era desejada; ela foi uma necessidade. Eu acredito que o nível de interação de um moderador tem uma relação estrita com o porte do grupo. O número de membros e, conseqüentemente, o número de mensagens que transitam em uma comunidade, exigem regras distintas. Os objetivos e posturas administrativas dos seus fundadores são outros fatores que pesam muito no estilo da "liberdade" e como ela é conduzida.

Então respondendo: sim, toda comunidade admite naturalmente algum tipo de regulamentação interna, pois disso depende a sua própria existência. Até grupos extremamente informais, e quando desejam isso para si, são regidas por algum tipo de lei que se auto-sustentam ou, então, propiciam, sugerem e fomentam o caos "desejado". Ao contrário, listas que buscam um nível tal de ordem, serão, cedo ou tarde, sendo tomadas pelo caos, e este é proporcional ao crescimento do grupo, caso não seja instalado algum tipo de regimento que norteie a participação.

É a chamada liberdade assistida e nos cerca inevitavelmente em nossa vida social, no cinema, na rua, na praia. Existem listas, por exemplo, que apenas admitem a associação por indicação. Já tive experiência com grupo onde a participação deve ser ativa para sua permanência. Outras têm um envolvimento tamanho entre seus membros e um objetivo tão estreito, que a associação pública é fechada. Questão de foco. Eu acho que a "liberdade" então fica por conta da opção de cada membro no momento de se associar a um ou outro grupo, tal qual sinta maior afinidade.

 
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OS GRUPOS PERMITEM UMA GRANDE OPORTUNIDADE DE APRENDIZADO INFORMAL, GERALMENTE NUMA VISÃO DIVERSIFICADA, RELACIONADA COM O PORTE E ABRANGÊNCIA DE CADA COMUNIDADE"
   
   

Opinativa – Quais são as possibilidades de integracão interpessoal e profissional de um grupo como a [dG]? Parcerias entre associados, encontros reais, amizades?

Alexo – Totalmente diversificadas. É praticamente impossível contabilizar e sugerir qualquer tipo de número ou aproximação, mas as possibilidades inerentes ao grupo são muitas e, quando tomadas por iniciativa própria, aumentam a rede de contato, formando uma grande teia de relacionamentos. Como você citou, as relações são profissionais, acadêmicas e pessoais. Temos conhecimento de grupos que se reunem informalmente, equipes que se formaram para realização de algum trabalho, blogs e mais blogs que se auto-indicam, parcerias, grupos de estudos, indicações de trabalho e pessoas que se tornaram amigos a partir da lista.

Mesmo assim, o poder comunitário do grupo ainda não foi usado. Muitos bastidores acontecem, mesmo virtualmente, via ICQ, sala de bate-papo ou e-mail, mas explicitamente, dentro do grupo, realmente pouco se concretizou, como a organização de grupos menores com objetivos definidos ou até interesses pessoais. A liberdade prática é possível aqui, o potencial existente num grupo de designers desse porte é enorme, mas deve partir dos seus membros as iniciativas secundárias e a administração apóia e sempre as incentivou, como o grupo de estudos sobre a vida e obra de Emilie Chamie, que montamos ano passado e, mesmo sem realizações concretas (apenas a pessoal), fica a experiência em grupo, uma oportunidade interessante.

A colaboração da administração nos encontros pessoais foi concretizada na criação de sublistas regionais, definidas pelos nomes dos estados brasileiros, onde é possível uma conversa totalmente informal, com a finalidade única de organizar eventos e encontros pessoais, com grupos de interesses locais. Como o detalhamento das combinações podem atrapalhar o andamento da lista principal, além de serem interessantes a grupos restritos (locais), as listas regionais, que são poucas e pequenas, formam uma solução prática que incentivam o relacionamento pessoal.

Opinativa – O grupo é um espaço democrático. Que tipo de personalidades podemos notar então no cotidiano?

Alexo – Existem alguns personagens, é verdade. Existe o Observador que permanece a maioria do tempo distante, na arquibancada, como um voyer, acompanhando as mensagens sem manifestação. Eventualmente encerra seu silêncio contribuindo com algum assunto que lhe desperte a motivação suficiente. O Novato aparece logo participativo ou questionador principalmente; é comum membros mais novos levantar questões "batidas" que podem não despertar o interesse dos mais antigos. O Passageiro costuma entrar e sair várias vezes, por motivos mais diversos. O Procativo é questionador por natureza e suas afirmações têm uma postura crítica. Contribuem com uma constante e inquieta avaliação de padrões cristalizados. O membro Uma Linha usa respostas curtíssimas que, por vezes, se confundem com as do provocativo; contribuem com sua objetividade e subjetividade ao mesmo tempo! No outro oposto, o Escritor gosta de uma explanação mais detalhada, e assim, colaboram com longas mensagens. O Marketeiro adora o botão encaminhar do software de e-mail ou participam pela pesquisa de novos e interessantes sites, sobre os quais envia apenas o link. Também aproveita o espaço para divulgar seus novos produtos, sites pessoais e blogs, além de democratizar programação de eventos etc. O Brincalhão abusa dos smylers sorridentes e onomatopéias e usa redação informal, trazendo o humor pra dentro do grupo. O Questionador termina seus pensamentos com pontos de interrogação; evita afirmações definitivas, abrindo espaço a novos comentários. O Ocupado é o típico assinante utilitário; usufrui do grupo na folga do trabalho e geralmente quando precisa de ajuda urgente, urgentíssima. O membro Paizão é experiente, usa redação amena mesmo quando discorda e sempre contribui com tranqüilidade sobre temas diversos. Também gosta de mensagens mais extensas porém informais e positivas. O Membro Passional é defensor das causas da classe, é um ativista e não se cala diante de alguma suspeita anti-ética contra o design(er). Fala da profissão e dos seus trabalhos com adoração. Por último, o membro Arrumadinho, que vive sugerindo ordem no grupo, indicando o caminho das pedras e, as vezes, chamando atenção da galera, como este que vos fala!

Opinativa – Por fim... Qual é e qual será o papel de grupos de discussão no tocante a liberdade?

Alexo – Ser o veículo de expressão a um público pertinente na abordagem de um tema. Permitir a experimentação da formatação escrita da opinião pessoal. Aprimorar sua capacidade de comunicação, clareza e relacionamento, no convívio com opiniões e personagens diversificados. Os grupos são canais de comunicação com públicos de interesse comum, porém, com atitudes diferentes; co-existem emissor e receptor e a interação entre eles. O uso do universo virtual acentua essas características, quando são postos num mesmo ambiente, com o mesmo poder expressivo, pessoas de graus contrastantes de conhecimento sobre um determinando tema, como aprendiz e professor, num debate aberto. Em outra análise, estes grupos permitem uma grande oportunidade de aprendizado informal, geralmente numa visão diversificada, relacionado com o porte e abrangência de cada comunidade.

   
 

Alexandre "Alexo" Maravalhas (1971) é autodidata em design gráfico, estuda e atua na área desde 1996. Trabalha atualmente na Secretaria de Educação do Paraná e, entre seus projetos pessoais, fundou e é atual administardor geral da lista [designGráfico], num trabalho voluntário, desde 1999.
 
Entrevista originalmente editada e publicada no site Opinativa, na campanha "Liberdade: melhor assim?", concebida por Rafael Fonseca (editor), Marcelo Ricardo (colaborador) e seu entrevistado, abordando a liberdade de expressão na comunidade [designGráfico].
 

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