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Entrevista
Liberdade: melhor assim?
Opinativa entrevista
Alexandre Maravalhas*
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A moderação na [dG] não
era desejada; ela foi uma necessidade
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Originalmente editada
e publicada no site Opinativa**
Opinativa Para nos situarmos inicialmente gostaríamos
de saber como, quando e por que surgiu a [designGráfico],
quantos membros e quais são os seus objetivos futuros?
Alexo Bem, é dificil prever qualquer grande
mudança de direcionamento para o grupo no futuro, da mesma
forma que não planejei tamanho crescimento hoje, dois anos
depois da fundação da lista, em 15 de outubro de 1999. O espaço
surgiu, inicialmente, para suprir uma necessidade particular
na troca de informação sobre design gráfico, numa época em
que eu iniciava na atividade, e como autodidata, sentia a
necessidade desse intercâmbio.
Lembro bem da vontade em reunir virtualmente (que seria a
forma mais prática e abrangente de reunir profissionais da
área) alguns poucos colegas para a troca de mensagens eletrônicas,
de alguma forma. O "estalo" foi em cartas que li, na época,
na revista Design Gráfico, onde os autores (leitores
do veículo) se dispunham ao intercâmbio, enviando seus endereços
de e-mail. Tentei contato com alguns deles e, curiosamente
sem resposta, tomei a iniciativa.
O marco zero do projeto começou por uma pesquisa sobre os
grupos de discussão já existentes. A falta de listas interessantes
(tanto quantitativa, quanto qualitativamente) foi estimulante
no sentido ideológico (que tipo de contribuição um grupo de
debate virtual pode oferecer a estudantes, profissionais e
interessados em design?) e prático, efetivada na criação do
espaço em um serviço gratuito de maillist. A partir daí, o
trabalho foi apenas uma evolução das idéias fundamentais e,
no início, muita dedicação na divulgação "boca-a-boca" e,
de um membro passou a dois, três... Hoje, em fevereiro de
2002, a [dG] conta com pouco mais de mil membros ativos.
Meu objetivo atual é o cuidado com a administração e manutenção
do grupo buscando sempre o desejado equilíbrio entre quantidade
e qualidade, baseado em normas internas que objetivam a produtividade.
Opinativa Sabemos que a principal forma de se regular
um grupo de discussão, ou uma comunidade virtual é através
do uso de moderação. Quais os instrumentos de apoio e quais
os critérios básicos de moderação na [dG]?
Alexo Concordo parcialmente com esta afirmação,
porque que nem todo grupo deseja ser norteado por um regulamento.
Alguns teriam um desejado "sucesso" exatamente nos momentos
mais exacerbados, mais caóticos, de maior tensão! Cada comunidade
tem seus objetivos e a moderação é uma ferramenta necessária
para aqueles que desejam oferecer algum grau de pertinência,
de produtividade aos seus membros.
Mas a moderação também traz pontos negativos: diminui ou
restringe a liberdade de expressão (não se pode dizer tudo
o que quer), exige a presença de moderadores acompanhando
ativamente os debates (a [designGráfico] conta hoje com três
moderadores) e atrasam a entrega de mensagens a todo o grupo
(já que mensagens terão que passar pela aprovação de um moderador
antes de ser enviado à toda lista).
Então a moderação não é um desejo intrínseco a todo grupo
de discussão, mesmo àqueles que querem oferecer um mínimo
de qualidade aos seus assinantes. Com a [dG], a moderação
não foi planejada inicialmente, nem desejada e até evitada,
e passou a ser aplicado em níveis diferentes, progressivamente,
por necessidade, devido ao aumento do participantes. Inicialmente,
a lista era totalmente livre nos primeiros meses; passou a
receber mensagens administrativas gerais quando necessário;
passou a contar com moderação passiva, onde a ação era tomada
apenas após o envio de mensagem imprópria, mudando para moderação
total (ativa), o estágio atual, onde todas as mensagens passam
pelo crivo de um moderador antes do envio a todos os membros.
O formato atual, considerando os pontos negativos da moderação,
praticamente só trouxe benefícios ao usuário final, que assina
um grupo específico, desejando um nível de coerência tal qual
sua proposta. A qualidade da [dG], na minha opinião, melhorou
muito depois dessa medida, já que evita-se que 1) grande parte
dos confrontos de caráter pessoal (muito comum, devido à restrição
da comunicação escrita, que reduz a possibilidade de nuances
sutis de expressão), 2) mensagens consideradas danosas não
chegam ao "grande público", entre elas: mensagens de propaganda
não solicitada (Spam), arquivos contaminados com vírus, anexos
excessivamente grandes, mensagens fora do tema principal (Hoax,
piadas etc.) e até alguns casos de conteúdo improdutivo, de
análise mais subjetiva do moderador, como puros agradecimentos,
contatos particulares ou redação extremamente informal e restrita,
onde recomendamos o uso do "PVT" ou seja, o envio em particular
somente ao membro interessado.
Os instrumentos práticos para acompanhamento por moderação
são oferecidos pelo sistema de maillist, que atualmente é
o do Yahoo! Grupos, o melhor serviço que tenho conhecimento.
Nele, o grupo é ajustado para o tipo de moderação desejada
e, no caso de moderação ativa, as mensagens ficam aguardando
a liberacão (ou não) por um dos moderadores, que são membros
comuns que ganham privilégios, recursos de acessibilidade
a estas mensagens. Mensagens aprovadas são enviadas a todos
os membros e rejeitadas são, pelo nosso regulamento, devolvidas
aos autores com as devidas justificativas ou sugestões de
produtividade e etiqueta. As ações do moderador, na [dg],
são delineadas por um estatuto, que está publicado em nosso
site, no momento da inscrição, onde o novo membro concorda
ao assinar a lista.
As regras são basicamente relativas à produtividade, a ética,
ao respeito interpessoal, ao foco ao tema e nao às pessoas
e, em geral, ao tom da redação.
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CADA
COMUNIDADE TEM SEUS OBJETIVOS E A MODERAÇÃO É
UMA FERRAMENTA NECESSÁRIA PARA AQUELES GRUPOS QUE DESEJAM
OFERECER UM GRAU DE PERTINÊNCIA, DE PRODUTIVIDADE AOS
SEUS MEMBROS" |
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Opinativa O meio virtual permite o anonimato e
o aumento da liberdade de expressão. Como os moderadores agem
para manter o bom ambiente num grupo de personalidades tão
diversas?
Alexo É verdade. O anonimato combinado com
a restrição comunicativa da opinião escrita informal pode
ser uma química inflamável! Tanto um posicionamento mal intencionado,
apoiado e suportado por endereços de e-mail gratuítos, quanto
aquela da boa intenção que pode ser erroneamente interpretada
por motivos diversos, seja ele na falha da redação, na falta
de expressividade, na leitura subjetivas, como na interpretação
de quem lê e, na falta de um texto mais trabalhado, este poderá
receber deturpadas as intenções originais do autor. Essa conjunção
de fatores pode gerar o que chamamos de flames (conteúdo
inflamado, provocativo, agressivo).
Outro fator que pode ser adicionado a esse caldeirão é o
que identificaria como "caricaturização" de personalidade.
Alguns associados tendem a evidenciar alguns pontos de sua
personalidade, ou, no próprio estilo de escrever, estas características
ficam salientes, nem sempre correspondendo à sua pessoa no
seu dia-a-dia. Assim, alguns personagens acabam tomando forma,
espontâneamente ou não, nos grupos que atuam.
Para a definição da linha de moderação é preciso um bom
entendimento entre os moderadores sobre as normas, as formas
de atuação, os limites, o tratamento e, principalmente, os
critérios. É preciso que eles sejam formalizados em forma
de texto explícito, objetivo e claro, tanto para os colaboradores
da administração, quanto para os membros. Nosso estatuto rege
esses procedimentos, está explicitado no site, na seção de
inscrição, é reenviado ao novo assinante, além disso, é encaminhado
a todo o grupo, todo mês, reforçando as regras internas de
produtividade, postura e interação.
Existem dois momentos básicos de ação: 1) a partir de sugestionamento,
esclarecimento, indicação do melhor formato de participação,
que é feito tanto por mensagens administrativas gerais e eventuais
quanto por membros mais antigos ou esclarecidos quanto à netiqueta;
e 2) moderação efetiva sobre mensagens irregulares enviados
ao grupo. O ideal é que exista um nível tal de esclarecimento
e colaboração por parte dos membros que o segundo momento
não se fizesse necessário.
Para isso é preciso que exista uma "campanha" constante,
mas também o interesse do novo membro em se inteirar das sugestões
e regras internas que cada grupo possui, maximizando qualitativamente
a sua interação com o restante do grupo. Em uma regra geral,
os moderadores eliminam um excesso considerado prejudicial
em prol da comunidade.
Opinativa Pode-se dizer então, que em toda comunidade
virtual os membros "convivem" sob um tipo de liberdade controlada?
Alexo Sim, mas em níveis diferentes. Algumas
regras são impostas inclusive pelo próprio provedor de mensagens,
outras são limitações do próprio meio, e a maioria das regras
para grupos de discussão se relacionam com a produtividade,
que tem a ver com o tempo e da disponibilidade dos membros,
além de, claro, sugestões de relacionamento pessoal. Como
disse em questão anterior, a moderação na [dG] não era desejada;
ela foi uma necessidade. Eu acredito que o nível de interação
de um moderador tem uma relação estrita com o porte do grupo.
O número de membros e, conseqüentemente, o número de mensagens
que transitam em uma comunidade, exigem regras distintas.
Os objetivos e posturas administrativas dos seus fundadores
são outros fatores que pesam muito no estilo da "liberdade"
e como ela é conduzida.
Então respondendo: sim, toda comunidade admite naturalmente
algum tipo de regulamentação interna, pois disso depende a
sua própria existência. Até grupos extremamente informais,
e quando desejam isso para si, são regidas por algum tipo
de lei que se auto-sustentam ou, então, propiciam, sugerem
e fomentam o caos "desejado". Ao contrário, listas que buscam
um nível tal de ordem, serão, cedo ou tarde, sendo tomadas
pelo caos, e este é proporcional ao crescimento do grupo,
caso não seja instalado algum tipo de regimento que norteie
a participação.
É a chamada liberdade assistida e nos cerca inevitavelmente
em nossa vida social, no cinema, na rua, na praia. Existem
listas, por exemplo, que apenas admitem a associação por indicação.
Já tive experiência com grupo onde a participação deve ser
ativa para sua permanência. Outras têm um envolvimento tamanho
entre seus membros e um objetivo tão estreito, que a associação
pública é fechada. Questão de foco. Eu acho que a "liberdade"
então fica por conta da opção de cada membro no momento de
se associar a um ou outro grupo, tal qual sinta maior afinidade.
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OS
GRUPOS PERMITEM UMA GRANDE OPORTUNIDADE DE APRENDIZADO INFORMAL,
GERALMENTE NUMA VISÃO DIVERSIFICADA, RELACIONADA COM
O PORTE E ABRANGÊNCIA DE CADA COMUNIDADE" |
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Opinativa Quais são as possibilidades de integracão
interpessoal e profissional de um grupo como a [dG]? Parcerias
entre associados, encontros reais, amizades?
Alexo Totalmente diversificadas. É praticamente
impossível contabilizar e sugerir qualquer tipo de número
ou aproximação, mas as possibilidades inerentes ao grupo são
muitas e, quando tomadas por iniciativa própria, aumentam
a rede de contato, formando uma grande teia de relacionamentos.
Como você citou, as relações são profissionais, acadêmicas
e pessoais. Temos conhecimento de grupos que se reunem informalmente,
equipes que se formaram para realização de algum trabalho,
blogs e mais blogs que se auto-indicam, parcerias,
grupos de estudos, indicações de trabalho e pessoas que se
tornaram amigos a partir da lista.
Mesmo assim, o poder comunitário do grupo ainda não foi
usado. Muitos bastidores acontecem, mesmo virtualmente, via
ICQ, sala de bate-papo ou e-mail, mas explicitamente, dentro
do grupo, realmente pouco se concretizou, como a organização
de grupos menores com objetivos definidos ou até interesses
pessoais. A liberdade prática é possível aqui, o potencial
existente num grupo de designers desse porte é enorme, mas
deve partir dos seus membros as iniciativas secundárias e
a administração apóia e sempre as incentivou, como o grupo
de estudos sobre a vida e obra de Emilie Chamie, que montamos
ano passado e, mesmo sem realizações concretas (apenas a pessoal),
fica a experiência em grupo, uma oportunidade interessante.
A colaboração da administração nos encontros pessoais foi
concretizada na criação de sublistas regionais, definidas
pelos nomes dos estados brasileiros, onde é possível uma conversa
totalmente informal, com a finalidade única de organizar eventos
e encontros pessoais, com grupos de interesses locais. Como
o detalhamento das combinações podem atrapalhar o andamento
da lista principal, além de serem interessantes a grupos restritos
(locais), as listas regionais, que são poucas e pequenas,
formam uma solução prática que incentivam o relacionamento
pessoal.
Opinativa O grupo é um espaço democrático. Que
tipo de personalidades podemos notar então no cotidiano?
Alexo Existem alguns personagens,
é verdade. Existe o Observador que permanece a maioria
do tempo distante, na arquibancada, como um voyer,
acompanhando as mensagens sem manifestação. Eventualmente
encerra seu silêncio contribuindo com algum assunto
que lhe desperte a motivação suficiente. O Novato aparece
logo participativo ou questionador principalmente; é comum
membros mais novos levantar questões "batidas" que
podem não despertar o interesse dos mais antigos. O Passageiro
costuma entrar e sair várias vezes, por motivos mais diversos.
O Procativo é questionador por natureza e suas afirmações
têm uma postura crítica. Contribuem com uma constante e inquieta
avaliação de padrões cristalizados. O membro Uma Linha
usa respostas curtíssimas que, por vezes, se confundem com
as do provocativo; contribuem com sua objetividade
e subjetividade ao mesmo tempo! No outro oposto, o Escritor
gosta de uma explanação mais detalhada, e assim, colaboram
com longas mensagens. O Marketeiro adora o botão encaminhar
do software de e-mail ou participam pela pesquisa
de novos e interessantes sites, sobre os quais envia apenas
o link. Também aproveita o espaço para divulgar seus novos
produtos, sites pessoais e blogs, além de democratizar
programação de eventos etc. O Brincalhão abusa dos
smylers sorridentes e onomatopéias e usa redação informal,
trazendo o humor pra dentro do grupo. O Questionador
termina seus pensamentos com pontos de interrogação; evita
afirmações definitivas, abrindo espaço a novos comentários.
O Ocupado é o típico assinante utilitário; usufrui
do grupo na folga do trabalho e geralmente quando precisa
de ajuda urgente, urgentíssima. O membro Paizão é experiente,
usa redação amena mesmo quando discorda e sempre contribui
com tranqüilidade sobre temas diversos. Também gosta de mensagens
mais extensas porém informais e positivas. O Membro Passional
é defensor das causas da classe, é um ativista e não se cala
diante de alguma suspeita anti-ética contra o design(er).
Fala da profissão e dos seus trabalhos com adoração. Por último,
o membro Arrumadinho, que vive sugerindo ordem no grupo,
indicando o caminho das pedras e, as vezes, chamando atenção
da galera, como este que vos fala!
Opinativa Por fim... Qual é e qual será o papel
de grupos de discussão no tocante a liberdade?
Alexo Ser o veículo de expressão a um público
pertinente na abordagem de um tema. Permitir a experimentação
da formatação escrita da opinião pessoal. Aprimorar
sua capacidade de comunicação, clareza e relacionamento, no
convívio com opiniões e personagens diversificados. Os grupos
são canais de comunicação com públicos de interesse comum,
porém, com atitudes diferentes; co-existem emissor e receptor
e a interação entre eles. O uso do universo virtual acentua
essas características, quando são postos num mesmo ambiente,
com o mesmo poder expressivo, pessoas de graus contrastantes
de conhecimento sobre um determinando tema, como aprendiz
e professor, num debate aberto. Em outra análise, estes grupos
permitem uma grande oportunidade de aprendizado informal,
geralmente numa visão diversificada, relacionado com o porte
e abrangência de cada comunidade.
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Alexandre
"Alexo" Maravalhas (1971) é
autodidata em design gráfico, estuda e atua na
área desde 1996. Trabalha atualmente na
Secretaria de Educação do Paraná
e, entre seus projetos pessoais, fundou e é
atual administardor geral da lista [designGráfico],
num trabalho voluntário, desde 1999.
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Entrevista originalmente editada e publicada
no site Opinativa,
na campanha "Liberdade: melhor assim?",
concebida por Rafael Fonseca (editor), Marcelo
Ricardo (colaborador) e seu entrevistado, abordando
a liberdade de expressão na comunidade
[designGráfico].
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