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ARTIGO 
Design para todos — o design como interface cultural, social
e econômica

"O design é, por definição, uma atividade
multidisciplinar em que o designer recorre a especialistas
e conhecimentos de outras áreas, desta forma
possibilitando resolver problemas de forma mais consistente." |
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Encarar o design como algo fútil
e apenas conferido ao campo da estética é provavelmente
um dos grandes problemas da disciplina, mas também
da sua ainda fraca utilização em benefício
da sociedade.
Freqüentemente, indivíduos de diversos campos
de atividade inclusive os profissionais da área, confundem
design com styling ou mesmo com Kitsch
[1›]. Criam-se objetos
inúteis que apenas visam estimular as vendas ou aumentar
o ego do designer que confere o seu estilo a objetos que serão
usados por terceiros.
Provavelmente a falta de um sentimento de classe ou do associativismo
em redor de um projeto forte em benefício dos designers
e da sociedade, é razão para a falta da regulamentação
da profissão, bem como da indefinição
de conceitos e de uma confusão que assombra a atividade.
Na área do design tem reinado a indefinição
e a utilização do design, sobretudo como instrumento
de vendas, esquecendo-se, desta forma, a própria filosofia
da disciplina que tem movido os designers ao longo dos tempos.
Um olhar atento sobre o habitat do ser-humano bastará
para verificar a presença de milhares de objetos e
espaços que necessitam ou têm a intervenção
do design. Pense agora no impacto que cada um tem isoladamente
no mundo no nível social, cultural e econômico.
Assim se apresenta a reflexão que faz o subtítulo
do tema “Design para todos”, o design como interface
cultural, social e econômica.
O design como interface cultural
Como facilmente se entenderá, o designer é
influenciado ao nível teórico, metodológico
e representativo pelo mundo em que se insere, porém
é também influenciador do seu contexto quando
age como elemento pró-ativo ao nível cultural,
social e econômico, devolvendo representações
manipuladas do mundo.
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Figura 1
Reforçar a mensagem.
Fonte: Catalysts (ExperiementaDesign,
Lisboa, 2005) |
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A simples seleção dos elementos comunicacionais
a integrarem um cartaz, vão ditar a sua eficácia
em termos de transmissão da mensagem, mas ainda podem
acrescentar valor ou encerrar outros significados secundários
(figura 1). Por exemplo, a seleção de um modelo
feminino ou masculino, a pose corporal, a faixa etária,
o vestuário, o cenário de fundo, o estilo, a
cor e a iluminação, vão criar diferentes
sensações isoladas e de conjunto.
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Figura 2
Cartaz de Peter Moser (Suíça,
2001), que em vez de uma top model usa uma
modelo “normal”.
Fonte: Catalysts (2005)
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Assim, se o papel do design é otimizar a eficácia
do objeto, pode também criar novos significados e influenciar,
positivamente ou não, o comportamento social (figura
2). A freqüente seleção de modelos fotográficos
para um cartaz, com base em critérios canônicos
assexuados pode criar efeitos de imitação, dando
origem a doenças como a anorexia ou anemia. |
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Figura
3
Pictogramas Otl Aicher, Jogos Olímpicos
de Munique, 1972.
Fonte: Zimmermann (1998,
p. 63) |
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Como refere Norberto Chaves (2001, p. 83)
a propósito do papel do designer como agente cultural
“(...) o designer gráfico é precisamente
o elemento chave, aquele cuja idoneidade não é
a de configurar a mensagem ‘à sua maneira’
mas sim a de interpretar o especial ‘cruzamento de códigos’
do caso e de lhe dar uma solução equilibrada
que permita satisfazer as expectativas e possibilidades de
todos os demais atores para que a comunicação
alcance o seu mais alto nível de eficácia”.
Como fica patente num conjunto de pictogramas, qualquer objeto
de design deve facilitar a sua decodificação
e uso, tornando-se acessível a uma sociedade (figura
3). A este propósito tem-se falado em design universal,
embora essa seja uma visão idealista e utópica,
pois se o objeto de design deve ser acessível à
pluralidade dos utilizadores, na maioria dos casos deve adaptar-se
e respeitar valores culturais e morais a uma escala quase
personalizada (figuras 4 e 5). |
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Figura
4
Cartas para pessoas com visão fraca.
Fonte: Papanek (1995, p. 72)

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Figura 5
Caixa de comprimidos e relógio digital com alarme para
usar no pulso, com diferentes recipientes para cada medicamento.
Fonte: Papanek (1995, p. 73)
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O design como interface social
Segundo Mijksenaar e Westendorp (2000), a vida contemporânea
é um permanente teste à inteligência,
na medida em que constantemente os indivíduos são
confrontados com problemas para resolver, com diferentes níveis
de dificuldade. Os mesmos objetos que são criados para
resolver problemas detectados acabam por criar outros novos.
A solução passa pela capacidade dos objetos
comunicarem sobre o seu uso (figura 6), e é este um
dos objetivos do design, porém dada a complexidade
dos objetos contemporâneos, isto nem sempre é
suficiente, como referem Mijksenaar e Westendorp (2000) que
“o meio não é a mensagem. Não
o é se o produto se deve interpretar como o meio. Por
isso necessitamos instruções adicionais”.
Mas os manuais de instruções implicam tempo
de aprendizagem e conhecimentos técnicos que muitas
vezes são inacessíveis aos utilizadores, evidenciando
a necessidade de simplificar o uso e com ele a vida das pessoas.
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Figura 6
A embalagem não se presta a ambigüidades
pela sua forma simples e evidente, bem como pelo reforço
comunicacional que a infografia oferece.
Fonte: Mijksenaar (2000, p. 20) |
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Para agravar o problema de comunicação dos
objetos, o quotidiano da sociedade contemporânea está
repleto de poluição visual, sonora, de filas
de trânsito ou de supermercados, que por sua vez implicam
a interação com objetos muitas vezes estranhos
à experiência humana. A simples utilização
de um caixa electrónico, de um site de internet, de
um computador ou de um despertador, implica níveis
de dificuldade diferentes dependendo da capacidade, cultura,
conhecimento e experiência. Embora todo o ser humano
passe por várias fazes de incapacidade ao longo da
vida, grande parte dos objetos do quotidiano excluem utilizadores
descapacitados (por idade, cultura, fisicamente ou psicologicamente).
Por exemplo, os teclados dos telefones, celulares, computadores
e caixas eletrônicos são diferentes, implicando
novas aprendizagens a cada uso e, portanto aumentando a dificuldade
da vida quotidiana.
O design é um meio de garantir a facilidade de utilização,
a utilidade, a qualidade, o conforto, a segurança e
o respeito pelos valores da sociedade. Uma sociedade dita
evoluída deveria respeitar os valores de cidadania,
porém atualmente espera-se que sejam os estados a resolver
os problemas que cabem aos cidadãos. Com alguma freqüência,
as sociedades ditas do terceiro mundo ou de periferia, mostram
que do pouco se pode fazer muito, reutilizando, reciclando,
respeitando e valorizando o que a vida oferece (figura 7).
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Figura 7
A escassez de material em países pobres obriga
à reutilização. Na imagem, um homem
prepara pneus velhos para o transporte de água.
Fonte: Papanek (1995, p.
33) |
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Os problemas ambientais têm alertado as pessoas para
esses mesmos valores, porém as ditas sociedades desenvolvidas
continuam a esconder o lixo e os problemas sociais debaixo
do tapete.
Uma correta utilização do design pode melhorar
substancialmente a qualidade de vida das pessoas a curto,
médio e longo prazo. Otimizando a capacidade comunicativa
dos objetos, melhorando a experiência dos mesmos e adequando-os
à cultura e conhecimentos do destinatário, bem
como respeitando os seus valores ou o mundo.
Como refere Victor Papanek (1995), a própria organização
dos espaços e a proliferação de mensagens
visuais que se tentam impor (figura 8), têm larga influência
sobre a qualidade de vida das pessoas. Papanek (1995) refere
que uma cidade sem um centro orgânico – constituído
pelos desejos sociais básicos do homem: sociabilidade,
religião, política e desenvolvimento artístico
e intelectual – não é socialmente unida.
Que desenvolver uma cidade em função do trânsito
é um dos problemas urbanos contemporâneos, pois
esquecem o núcleo social comum (figura 9). |
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Figura 8
Poluição visual. Estimula-se que, em média
por dia, recebemos cerca de 3 mil impulsos publicitários.
Fonte: Heskett (1981, p. 83) |
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Figura
9
Refere que uma cidade sem um centro orgânico –
constituído pelos desejos sociais básicos do
homem: sociabilidade, religião, política e desenvolvimento
artístico e intelectual – não é
socialmente unida. Que desenvolver uma cidade em função
do trânsito é um dos problemas urbanos contemporâneos,
pois esquecem o núcleo social comum.
Fonte: Papanek (1995, p. 119) |
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As grandes vias originam grandes
filas de trânsito e criam um efeito túnel e um
estresse diário que impede as pessoas de desfrutar
do universo humano, que pode ser amenizado criando zonas que
possibilitem abrandar o ritmo ou desfrutar do habitat, através
de pontos de passagem como rótulas com algum tipo de
intervenção ou jardins.
O design pode significar uma melhoria da qualidade de vida
ao melhorar os acessos e a experiência de uso dos mesmos,
bem como ao adaptar os projetos urbanos aos costumes e cultura
do utilizador. Esta é uma verdade ao nível do
traçado dos espaços domésticos, de trabalho,
de lazer ou de mobilidade, mas também ao nível
da comunicação ou orientação,
respeitando o mapa mental do utilizador (figuras 10 e 11).
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Figura 10
A fachada do edifício e a sua arquitetura facilitam
o reconhecimento e orientação, evitando
a necessidade de sinalização com o mesmo
efeito.
Fonte: Mijksenaar (2001, p. 9) |
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Figura 11
A simplificação das vias rodoviárias
é desejável para facilitar a leitura,
porém não se deve afastar do mapa mental
do utilizador.
Fonte: Heskett (1981, p. 150) |
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O design como interface econômica
O design surge não apenas como uma mera forma neutra
de materializar objetos, mas como forma de otimizá-lo
estrategicamente em função do seu público
e de reforçar a sua utilidade (figura 12). Possibilitando
a interpretação conceitual dos valores corporativos,
dos dados fornecidos pelo marketing e a realização
de pesquisa sobre os códigos visuais dos concorrentes
ou culturais do público-alvo.
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Figura 12
Vários tipos de palitos. O último está
preparado para que, depois do uso, se parta uma extremidade
de modo a sobrepor-lhe a que esteve em contato com a boca.
Fonte: Heskett (1981, p. 42) |
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A definição da estratégia nasce da interseção
de diferentes interesses e condicionantes, tendo em conta
as capacidades da empresa e a sua identidade. A agregação
dos valores corporativos ao design e à sua conduta
faz com que deixem de ser meras formas vazias, que por sua
vez possibilitam que o público se aproprie dos significados.
Contribuir para a competitividade das empresas não
traz apenas benefícios econômicos, mas também
sociais, ao contribuir para o aumento de postos de trabalho,
da melhoria das condições de trabalho e da qualidade
dos produtos ou serviços (figuras 13, 14 e 15). Esse
contributo é fundamental para a afirmação
do design na sociedade, bem como o de melhorar o universo
urbana em colaboração com os municípios.
Porém, o designer não é um mercenário
ao serviço das empresas e disposto a fazer qualquer
coisa, mas antes um estrategista dotado de consciência
social.
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Figura 13
Fogão a energia solar desenvolvido com o apoio
da Unesco para a Índia e Paquistão.
Fonte: Papanek (1995, p. 47) |
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Figura 14
Pisa-livros (utensílio para abrir e sustentar
as páginas de um livro) feito com restos de couro.
Fonte: Papanek (1995, p. 65) |
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Figura 15
Projeto de cabos de talheres a partir de aparas de couro.
Fonte: Papanek (1995, p.65) |
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Reflexão final
A regulamentação da profissão e um forte
sentimento de classe por parte dos designers, são as
formas de garantir o correto desempenho da atividade e de
criar condições para que estes tenham a oportunidade
de desempenhar as suas funções sem concorrência
desleal e com as justas circunstâncias. Esta questão
não trata de um mero interesse corporativo, mas de
garantir que os designers tenham a oportunidade de servir
bem a sociedade.
O design é, por definição, uma atividade
multidisciplinar em que o designer recorre a especialistas
e conhecimentos de outras áreas, desta forma possibilitando
resolver problemas de forma mais consistente.
Nota
- Também é necessário
não confundir a disciplina com a técnica,
as ferramentas ou com a metodologia. [‹ VOLTAR]
Bibliografia
MIJKSENAAR, Paul, WESTENDORP, Piet. Abrir aqui – el
arte del diseño de instruciones, Alemanha: Könemann,
2000. ISBN: 3-8290-5433-5
MIJKSENAAR, Paul, Diseño de la información,
México: Editorial Gustavo Gili. 2001 ISBN: 968-887-389
HESKETT, John, El diseño el la vida cotidiana, Barcelona:
Editorial Gustavo Gili, 2005. ISBN: 84-252-1981-7
PAPANEK, Victor, Arquitectura e Design, Lisboa: Edições
70, 1995. ISBN: 972-44-0968-6
ZIMMERMANN, Yves, Del diseño, Barcelona: Editorial
Gustavo Gili, 1998. ISBN: 84-252-1780-6
CHAVES, Norberto, El oficio de diseñar – Propuestas
a la conciencia crítica de los que comienzan, Barcelona:
Editorial Gustavo Gili, 2001. ISBN: 84-252-1840-3
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Daniel
Raposo Martins (1977) é designer de
comunicação e desenvolve atividade
profissional na área da Identidade Corporativa
em Portugal. Freqüenta cursos de design desde
1993, destacando-se a sua Licenciatura em Design
de Comunicação e Técnicas
Gráficas, Variante Design Gráfico
e Publicidade e a freqüência do mestrado
em Design, Materiais e Gestão de Produto,
aguardando defesa da sua tese com o título
"Gestão de Identidade Corporativa:
do sigo ao código". Reside na cidade
de Castelo Branco onde é professor na Escola
Superior de Artes Aplicadas de Castelo Branco,
mas foi o estado caótico da profissão
e a luta por um ideal que procura o bem comum
dos designers, que o levaram a ser membro fundador
e atual secretário de Direção
da Associação Nacional de Designers,
Portugal. |
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Este artigo é uma edição
para a designGráfico, desenvolvida em conjunto
com o autor, que também terá seu
trabalho publicado na revista espanhola Bla blArt.
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