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A arte dentro da arte

Quem não se lembra de uma trilha sonora que tenha marcado sua vida?

 

Por Peterson Mayrinck

 

Antes do surgimento do DVD, antes ainda do CD-ROM como mídia dominante, as trilhas sonoras já existiam em diversas plataformas. De sons produzidos por programadores nos primeiros jogos a orquestras sinfônicas contratadas para superproduções, a trilha sonora mudou muito ao longo dos anos. Com essas mudanças, assumiu uma importância cada vez maior nos games.

Como no cinema, os jogos costumam ter um tipo especial de relação com músicas, alimentada pelo sentimento que querem passar. Se não conseguimos esquecer cenas tocantes que assistimos enquanto comemos pipoca, o mesmo pode acontecer com um momento de seu jogo favorito, tocando uma música que o torna inesquecível: as músicas de Chrono Trigger e Castlevania são exemplos que comumente vêm à cabeça de gamers, mesmo após anos de seu lançamento.

“Não dá para pensar em animação para jogos sem áudio ou sem música”, diz Evandro Natividade, músico que trabalha na D’Accord, empresa do Porto Digital. É por essa característica que lhe dá tanta importância que a música atrai o interesse particular entre os amantes de jogos, como é o caso de Alexandre Maravalhas. Alexo, como também é conhecido, é fundador, editor e colunista do site Benzaiten, que é um “grupo dos apreciadores das artes aplicadas ao entretenimento eletrônico e interativo”. Para ele, a trilha sonora é de fundamental importância, servindo de suporte para a imersão no jogo: “Uma trilha ruim ou insípida, e efeitos sonoros inadequados, podem ser altamente frustrantes em um jogo”, diz. As músicas são elementos convidativos nos jogos, na opinião dele. E é justamente pelo seu poder de imersão e apelo que existem sites como o Video Game Music Archive ou o Galbadia Hotel, que armazenam os arquivos musicais desde jogos antigos aos mais atuais.

A imersão a que Alexo se refere é também vista como a alma do jogo, algo capaz de transferir emoções de um modo que a simples imagem não conseguiria. “Sem a música não teríamos um ambiente mais denso ou um momento cômico tão convincente. Ela serve de suporte para a narrativa a todo o tempo do jogo”, diz Cláudio Lins, produtor e designer de jogos.

Em busca de emoção

Flávia Amorim é uma estudante universitária amante de jogos. Seu Playstation 2, que ela divide com os irmãos (que não jogam tanto quanto ela), já viu muitos DVDs em seu leitor óptico. Castlevania: Curse of Darkness, Monster Hunter e Guitar Hero são alguns dos muitos exemplos de sua diversão em frente à tela da televisão.

Para ela, a finalidade das músicas é “algo entre entreter (além do que o jogo já o faz), para não deixar o jogo ‘morgado’, e passar emoções. De nada adianta um final feliz, um clima de terror, uma travessia difícil, sem uma trilha sonora adequada. É quase como nos filmes”.

Suspense ou comédia?

O ambiente do jogo influencia o tipo de música proposto para cada momento de acordo com a intenção da produtora do jogo. É como a escolha de uma trilha sonora para alguma categoria de filmes: quando se pensa em suspense, um tipo específico de música deve ser escolhido. O caso dos jogos é semelhante. “Se é algo suave, a música será composta com acordes e sequências tonais, sem tensão. Se é algo agressivo, serão utilizados acordes menos comuns e com certa tensão”, diz Evandro.

God of War, uma trilogia sobre um anti-heroi da Grécia Antiga chamado Kratos, teve a trilha sonora de jogos mais tensa para Flávia Amorim, de 19 anos. “Geralmente as músicas são colocadas intencionalmente em cada parte do jogo para, justamente, transmitir a emoção que o jogador deve sentir”, diz a jogadora. Quando a vida de centenas de gregos está em suas mãos, independentemente se você quer massacrá-las ou salvá-las, a tensão é algo que se faz presente.

Portal é um exemplo semelhante e ao mesmo tempo contrário ao de Kratos. Com uma trilha sonora repleta de tensão, o jogo chega ao final com uma curiosa música. Enquanto os créditos sobem, Ellen McLain, uma cantora de ópera frequentemente envolvida na produção de jogos como atriz de voz, canta uma música que revela o espírito do jogo: comédia envolta em tensão. “A música faz muito sentido para quem joga o jogo, ela faz parte de um contexto. A letra tem umas pitadas de sarcasmo, tem uma emoção doentia”, diz Alexo. A música Still Alive, foi um sucesso na Internet: um dos vídeos postados por usuários no You Tube possui mais de 4 milhões de visitas.

“A música tem uma função bastante importante nos jogos. Em games tradicionais ela vai ajudar a dar o clima, a atmosfera, desejada pelos produtores”, diz Cláudio Lins. Ele completa dizendo “Hoje em dia já existe o conceito de jogo de música, ou jogo rítmico, onde a música, o ritmo, é o mais importante elemento do jogo e influencia diretamente no gameplay”.

Formando uma banda...

O som em jogos não se resume apenas às trilhas sonoras e a atuação de voz dos personagens, pois há títulos exclusivamente voltados para música. Guitar Hero e Rock Band são dois dos mais conhecidos, com milhões de fãs ao redor do mundo. Os dois jogos, como os nomes sugerem, têm um propósito único: fazer o jogador se sentir integrante de uma banda. “Esse novo tipo de jogo conquistou o mercado justamente porque dá ao jogador a possibilidade de se sentir como grandes astros da música”, diz Flávia. Alexo, por outro lado, vê em jogos de simulação de banda uma maior necessidade de imersão. “Na ‘atuação’ destes games, o jogador deve se permitir uma imersão até maior, senão a sua funcionalidade, se vista cruamente, pode se tornar muito mecânica, um simples apertar de botões na hora certa”.

O desafio no jogo é não apenas conseguir acertar o tempo certo de apertar o botão correto para finalizar uma sequência musical, mas, na opinião da estudante, evoluir a ponto de “derrotar” sequências dificílimas e se tornar um astro do rock. Alguns poucos conseguem atingir um nível tão alto nessa evolução que postam no You Tube vídeos dos seus feitos, como é o caso de um deles com quase três milhões de visitas. Apesar disso, muitos duvidam do que vêem no vídeo e dizem ser mentira.

Esse tipo de jogo tem apelo forte entre os jogadores, garantindo assim inúmeros títulos e versões. “Guitar Hero, Rock Band e outros jogos desse tipo são sucesso em todas as plataformas”, diz Cláudio Lins, que trabalha na D’Accord.

...Em Pernambuco

Nesse mesmo nicho de mercado foi criado o Drums Challenge, da D’Accord, empresa pernambucana situada no Porto Digital. O jogo, criado para iPod e iPhone, é semelhante aos mais consagrados do estilo, com a diferença do instrumento tocado, uma bateria. O desafio, na parte da produção musical para o jogo, é criar um conteúdo sequenciado como se fosse um ensino musical.

Apesar de ter participado da criação do Drums Challenge, Evandro ainda acredita que não há um mercado forte de produção e compra em Pernambuco. “O setor ainda não rende dinheiro suficiente para abarcar muitas empresas, mas em pouco tempo, com o avanço da tecnologia e barateamento de aparelhos eletrônicos, a tendência é que haja como expandir o mercado em alguns anos”. Cláudio Lins, por fim, dá uma dica para aqueles que querem trabalhar na área: “Eu diria que para você trabalhar com trilha de jogos você não pode se restringir a Pernambuco ou ao Brasil. Normalmente o pessoal que trabalha com isso é freelancer e manda trabalho pra todo o mundo”.

Entrevista com Alexandre Maravalhas

O mercado de trilhas sonoras no Brasil é ainda insipiente, pelo menos em relação aos jogos, já que músicas de filmes e novelas costumam ter espaço garantido nas prateleiras das lojas.

Alexandre Maravalhas, um simpático curitibano, é jogador veterano e colecionador de trilhas sonoras. Alexo (fala-se “a-LÊ-cho), como prefere ser chamado, respondeu algumas perguntas ao repórter sobre o que ele considera ser uma arte dentro de outra arte. Confira a entrevista.


Peterson Mayrinck – Como você vê as músicas nos jogos?

Alexandre Maravalhas – Eu vejo como arte mesmo. A trilha é uma das expressões artísticas contidos nos videogames. Dentro do universo dos jogos, a trilha pode ser vista meramente como "musiquinha de fundo" (pelo usuário mais simplório) ou pode ganhar vida própria, sair da esfera do produto e ganhar apreciação na forma de música autônoma.


Peterson – Quais os tipos de sentimentos provocados pelas músicas? Há algum momento em especial que tenha te marcado?

Alexo – Assim como algumas aberturas, os finais de jogos são pontos fortíssimos de emoção no produto como um todo. Eu acho que é possível que os jogos com roteiros mais elaborados, histórias mais envolventes, "humanizadas", tenham uma capacidade maior de emocionar seu jogador. Podemos pegar grandes exemplos como Legend of Zelda ou Final Fantasy, que são verdadeiros épicos, e com certeza emocionam até o mais cascudo dos jogadores de games.


Peterson – O que você acha da possibilidade de "ser um artista" em jogos como Guitar Hero e Rock Band?

Alexo – Não é diferente de tantos outros jogos: transportar o jogador para um universo específico. Não é um gênero que me agrade, mas com certeza, um produto que está fazendo uma revolução no universo dos jogos, principalmente aumentando o seu círculo de interesses, seja por parte de músicos ou de apreciadores de música, quanto da indústria da música, enfim. Culturalmente também é muito bacana como o game pode ser "educacional".

OUTUBRO/2009

  • Serviço: 
Benzaiten
D’Accord
Galbadia Hotel
Video Game Music Archive
Vídeo de Guitar Hero
Vídeo da música Still Alive
  • Peterson Mayrinck (1987) conheceu os jogos quando era pequeno, ao recebeu de presente um Atari de seu pai. Além de viciado em computadores, é estudante de Jornalismo da Universidade Federal de Pernambuco desde 2008.
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Colaboração: Jean Escoto | Hospedagem: Hugo Cristo