Xoc recria trilha de Super Mario em álbum não
convencional
Inusitado. Seria este um adjetivo adequado para
resumir brevemente uma descrição a este álbum?
Não querendo ser apelativo, exagerado, incorreto ou
mesmo injusto, usaria sim esta descrição –
se não a todo ele – pelo menos para várias
passagens deste remake da trilha sonora de Super
Mario World, entitulado XOC Plays SMW, arranjado e executado
pelo artista Jason Cox.
Cox (foto abaixo), 1976, é californiano
e mora atualmente em Orangevale, brinca com seu próprio
sobrenome assinando também com o pseudônimo "Xoc"
(pode ser pronunciado como "xoac" ou como queira,
segundo o próprio sugere), além de alguns trabalhos
solo, toca bateria na banda Pesadillas, guitarra na Knifethruehead,
entre várias outras participações.
O álbum, uma produção independente,
sem fins comerciais e desenvolvida por hobbie –
Cox, apesar de estar envolvido com vários projetos
relativos à musica, trabalha em horário integral
para o governo do seu Estado –, está disponível
na internet em arquvos MP3. São 21 faixas e totalizam
26 minutos da divertida, saudosa e bem acabada remixagem de
toda trilha do jogo Super Mario, para Super Nintendo.
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"Eu acho que todos os compositores clássicos
para Nintendo tinham um verdadeiro talento para manterem
coisas simples e eu acho que é por disso que,
depois desses anos todos, sua música ainda está
na minha cabeça!"
– Jason Cox |
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Jason tem, realmente, grande mérito sob
vários aspectos. Seja na liberdade criativa das releituras
ou na tranqüilidade como executa suas peças mais
despojadas, seja da qualidade musical imposta ao resultado
final – independente da faceta bem-humorada sempre presente,
o que para alguns poderia diminuir a "seriedade"
da obra –, enfim, seja no acabamento e também
na iniciativa como um todo. Sem esquecer de enfatizar o aspecto
"banda-de-um-homem-só" do trabalho.
Mas após o elogio é necessário
fazer uma outra justa reflexão. Um tipo de "ponto
a favor" da qualidade que afirmo sobre este álbum
reside na citação de um nome: Koji Kondo, o
renomado compositor da obra original, a quem inclusive, Cox
dedica esta nova roupagem. Não diminuindo alguns dos
aspectos positivos já postos sobre este remix,
nem querendo parecer simplista quanto à criação
de rearranjos, me parece altamente inspiradora a tarefa de
remontar a obra de Kondo. Especialmente a tão bem-sucedida
trilha de Super Mario!
Leite, pedra e limitações
Mario Brothers e Koji Kondo. Quanto valor agregado
há nestes dois nomes! Talvez duas das "marcas"
mais fortes da arte na indústria do entretenimento
eletrônico. Já os estou chamando de marcas? Bem,
são efetivamente ícones – representam
uma fatia já imortalizada do inconsciente coletivo
do setor.
A obra de Kondo não é extensa;
mesmo assim, sua atitude musical é fortemente expressiva,
marcante e carismática. E já fez história:
está presente em vários subprodutos da linha
Mario Bros. e também, nada mais, nada menos que na
trilha de The Legend of Zelda, outro peso-pesado dos jogos
eletrônicos de todos os tempos.
A
OST (trilha sonora original) de Super Mario é genialmente
bem composta, adequada ao tema do jogo, amada e aclamada mesmo
por não-aficionados da área. Clássica,
consagrada já. O jazz original da máquina, porém,
é meio mecânico, meio digital, meio duro. Talvez
fosse mais correto dizer limitado em sua expressividade sonora
(falo da qualidade dos timbres de sua execução
em tempo real nos consoles), restrito aos poucos recursos
tecnológicos dos equipamentos da época de seu
lançamento. Mas ela ganha tanta expressividade nas
releituras, mesmo as mais despretenciosamente construídas;
se tornam sempre tão ricas musicalmente, exatamente
pela força que Kondo dá a sua composição,
e onde o novo artista aproveita, claro, pois deve –
ou deveria – reconhecer e usufruir dessas qualidades
originais.
Essas limitações artísticas
e de imersão criativa (e falo das várias formas
de artes aplicadas aos jogos) que acontecem em todo produto
eletrônico "contemporâneo" sempre me
fazem imaginar qual deve ser a frustação dos
autores, criadores, em se expressar restritos e diminuídos
aos moldes dos veículos de suas obras: os computadores
(leia-se consoles etc.). E não nos enganemos em achar
que estas foram limitações enfrentadas apenas
nos tempos mais remotos da história dos jogos, pois
os artistas estão sempre se expremendo, podando a riqueza
da "irregularidade" de sua arte às imposições
da tecnologia vigente – que é digital.
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Koji Kondo, compositor da trilha original
de Mario Brothers. |
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Sendo assim, acabo acreditando que as obras
baseadas em recursos tecnológicos de execução
em tempo real – pois são interativas –
sempre levam consigo o potencial de serem maiores do que suas
apresentações primeiras, ou seja, as versões
OSTs – que são o destino inicial a que foram
projetadas – são sempre embrionárias.
Não falo da composição, pois ela existe
em um momento virtual, conceitual, que é anterior à
execução, portanto isenta dos tetos matemáticos
dos computadores.
Este Mario, remixado por Xoc, é um exemplo
disso: ele sugere várias possibilidades expressivas
de uma composição, independente dos limites
técnicos dos produtos interativos. Mas como, de qualquer
forma, a obra musical em si só ganha força pelo
sucesso do conjunto de elementos de um jogo, ela não
seria o que é sem o produto Mario Bros., não
adianta querermos desvinculá-la do meio eletrônico
mesmo e cria-se aí um ciclo vicioso.
Sino de escola
Cox é hábil ao reapresentar a
trilha de Mario sob um arranjo criativamente bem-humorado.
Nas imagens da capa (outra intervenção, agora
com o logotipo da BMW), que fazem parte do kit do
produto digital, e que também foi criada por Jason,
existe uma lista de instrumentos e sons que usou nas suas
paródias. Algumas delas, para ilustrar o leitor: triângulo,
porta de geladeira, banjo, xilofone, vozes, acordeon, teclados,
corneta de bicicleta, baixo elétrico, guitarras, sino
de escola, entre tantos outros que minha ignorância
não permite traduzir, nem tentar o literal. Mas você
pode tê-las todas, baixando as capas do site que indico
ao final desta matéria.
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Os vocais usados em algumas faixas do álbum
– extremamente bem manejados – adicionam um agradável
tom humanista à linguagem musical do trabalho. Aliás,
o elemento orgânico está muito evidente no conjunto
da obra, mesmo quando, explicitamente, se lançou mão
de recursos eletrônicos. Esse sabor oferecido às
peças, aliada à musicalidade da trilha original
de Mario, torna o álbum muito vivo, muito expressivo.
E é essa expressividade que me atrai muito, quando
penso em música para jogos eletrônicos.
Volto aos vocais. E como sempre acabo me referindo
por inusitado ao arranjo de Cox, as vozes não foram
utilizadas apenas com toque adocicado, como é na maioria
das aparições, mas pontualmente contrastante,
ácida poderia dizer, na faixa "P Block Special
Do The Mario", baseada na trilha dos créditos
finais que encerram o "Super Mario Bros. Super Show",
programa de televisão dos anos 80, onde Jason contribuiu
aqui com mais uma performance, cantando Do The Mario.
P Block Special Do The
Mario |
Do the Mario!
Swing your arms from side to side.
Come on, it's time to go!
Do the Mario!
Take one step and then again,
Let's do the Mario,
All together now!
You got it!
It's the Mario.
Just like that! |
Minha crítica – ou talvez nem seja uma crítica
mas uma observação elogiosa até –
seja na objetividade do autor nas faixas. Algumas delas são
tão curtas quanto as originais do game. O
álbum acaba muito rápido (e isso pode ser um
bom sinal perceptivo), forçando ligar o repeat
do meu WinAmp.
Mas também devo dizer que algumas faixas,
precisamente coerente com o bom-humor ou com o inusitado conceitual
do trabalho, poderão – se feita em audição
com mais decibéis – provocar ou até irritar
os parentes, vizinhos e co-ligados, fisicamente próximos
e não tão preparados a estes elementos sonoros
não tão convencionais. A primeira faixa (Title
Screen) lhe prepara para estes novos elementos, mas é
sutil. A décima faixa (Switch Palace and Bonus Game),
no entanto, chega a ser um pastelão! A maioria do álbum,
no entanto, e aí eu volto a questão inicial,
é muito agradável. Mas mesmo com boas doses
de sobriedade musical, eventual ou sutilmente Xoc insere,
novamente, situações contrastantes ou cômicas.
Como já comentei anteriormente, gostaria
de poder apreciar musicalmente mais do artista. Se a sua generosidade
não veio tanto em forma de minutos neste álbum
– talvez propositalmente –, quem sabe com outros
produtos, projetos seus em andamento, como poderemos conferir
na entrevista com Cox, ao final deste artigo.
Adicione este álbum a sua coleção,
relembre seus momentos à frente do SNES e confira este
trabalho, a meu ver, muito interessante.
Entrevista com Jason Cox
Alexandre Maravalhas – Fale-nos de quando
e como começou sua relação com
música. E qual é sua relação
atual com ela? Que instrumentos você toca e como
foi o aprendizado com eles? Você tem planos para
se aproximar mais da arte musical, como por exemplo,
viver profissional e unicamente da música?
Jason
Cox – Comecei tendo aulas de bateria
por volta de 1987, embora meus estudos formais não
tenham durado muito. Eu realmente nunca me importei
tanto com as aulas semanais... elas eram muito parecidas
com a escola. Minha mãe, então, passou
a me dar algumas aulas de guitarra em casa, e isso foi
até 1990, quando comecei a estudar guitarra e
piano sozinho. E foi nessa época que eu comecei
a tocar bateria em algumas bandas. Sou baterista do
Las Pesadillas durante quase 10 anos. Também
sou guitarrista em uma banda metal chamada KnifeThruHead,
como também em vários outros projetos.
Torço para que algum deles dê tanto sucesso
a ponto de se tornar um trabalho!
Alexo –
Gostaria de ouvir seus comentários sobre a trilha
original de Mario e sobre seu compositor, Koji Kondo.
E por que escolheu Mario para compor este remix?
Cox – Eu
acho que todos os compositores clássicos para
Nintendo (Kondo, Hip Tanaka etc.) tinham um verdadeiro
talento para manterem coisas simples e eu acho que é
por disso que, depois desses anos todos, sua música
ainda está na minha cabeça!
Escolhi Super Mario World porque ele contém
muita música envolvida e são todas incríveis.
Existe um tema básico que aparece em quase todas
as faixas; reorquestradas e moduladas e então,
embaixo dela, existem várias contra-melodias
que você, muitas vezes, nem as percebe lá.
Como nos 40 segundos da Underwater Theme, onde há
uma melodia muito suave na versão original e
eu acredito que ela deveria ser a melodia principal.
Então, na minha versão, ela está
bem mais evidente.
Alexo –
Você pode nos falar a respeito das etapas do processo
da produção deste álbum, desde
a idéia, inclusive quanto tempo levou até
a finalização? O que foi mais desafiador?
Cox – Todo
o processo de gravação levou por volta
de cinco meses porque eu não tive, desde o início,
a intenção de fazer todas as músicas.
Comecei fazendo só o Forest of Illusion e o tema
principal. Mas gradualmente fui desenvolvendo outras,
quando me ocorreu que poderia fazê-las todas!
Eu não tenho exatamente o equipamento dos meus
sonhos mas trabalho muito rapidamente. Gravava a bateria
para várias músicas antes, depois o baixo
para um monte delas também e, eventualmente,
eu deveria adicionar instrumentos aqui e lá em
todas elas. A única faixa que eu fiz do início
ao fim, em um dia, foi a Title Screen. Fiquei trancado
o dia todo em meu quarto e comecei a ficar meio atrapalhado,
o que explica os vocais esquisitos.
A coisa mais difícil foi fazer a End Credits,
porque há muito acontecendo ali. Na primeira
vez eu gravei dez pistas de guitarras antes de perceber
que elas estavam desafinadas! Tive que excluir tudo
e começar novamente.
Alexo –
Que trilhas originais para jogos você poderia
recomendar seja pela qualidade ou por preferência
pessoal?
Cox – Tratando-se
de trilha para jogos, eu acho a série Metroid
a minha favorita, realmente. Mas uma outra que descobri
é a Beetlejuice, um jogo para Nintendo, composta
por David Wise. A música é fantástica
do início ao fim e eu não acho que muita
gente a conheça, pelo fato do jogo ser muito
difícil.
Alexo –
Sobre rearranjos para música de jogos, você
tem outros projetos em andamento, ou mesmo idéias,
que pudesse nos adiantar? Devemos esperar algum outro
álbum de Xoc para breve?
Cox – Eu
estou trabalhando em dois álbuns de Xoc neste
momento. O primeiro será de músicas de
jogos baseados em filmes dos anos 80. Estou com 75%
deste projeto terminado. O outro álbum terá
músicas da série Metroid. |
Outubro/2005
XOC Plays
SMW
|
01 |
Title Screen |
1'20 |
02 |
Welcome Theme |
0'15 |
03 |
Yoshi's Island |
0'26 |
04 |
Theme Original |
1'26 |
05 |
Underground Theme |
1'21 |
06 |
Course Clear |
0'08 |
07 |
Donut Plains |
0'31 |
08 |
Ragtime Theme |
1'16 |
09 |
Ghost House Secret Exit |
2'01 |
10 |
Switch Palace And Bonus Game |
0'59 |
11 |
Vanilla Dome |
0'48 |
12 |
Underwater Theme |
1'56 |
13 |
Star Road |
0'49 |
14 |
P Block Special Do The Mario |
2'18 |
15 |
Forest of Illusion Full Version |
1'26 |
16 |
Chocolate Island |
0'31 |
17 |
Castle Medley
-
Castle
-
Boss / Course Clear
-
Demolition
|
3'17 |
18 |
Valley of Bowser Medley
-
Entrance Appears
-
Valley of Bowser
-
Bowser Appears
-
Final Stage
|
1'44 |
19 |
Vacation |
0'17 |
20 |
End Credits
|
3'35 |
21 |
Death Game Over |
0'20 |
Ficha técnica |
-
Composição
original por Koji Kondo, 1990
-
Arranjo
e execução musical, voz e capa
por Jason Cox
-
Editado
na Optical Pies Recorders
-
Direitos
reservados © 2005 Bend Over Beethoven Music
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Download do álbum completo |
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Alexandre
"alexo" Maravalhas (1971) é natural
de Curitiba, Paraná, designer gráfico.
É apreciador das artes e das interações
nos jogos eletrônicos, em especial, nos últimos
anos, colecionando música de games. Fundou a
Benzaiten e ofereçe este espaço para enaltecer
o trabalho de artistas que trabalham na área
do entretenimento interativo.
-
Colaboração de Guilherme
Caon na revisão da tradução
do texto da entrevista, feita originalmente em inglês.
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